A. Oliveira, o artista que pintou Caxias

“A pintura é poesia sem palavras.” – Voltaire

Quem quer que tenha visitado o Memorial da Balaiada, Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC), Câmara Municipal ou o prédio da Prefeitura, com certeza já se deparou com as obras deste artista. De cores vibrantes, as pinturas captam imediatamente a atenção de quem as observa. Além das belas representações, no canto inferior das telas os visitantes mais atentos podem notar a assinatura de seu autor: “A. Oliveira”. A rubrica nada mais é que o nome abreviado de: Antônio Francisco de Oliveira.

Caxiense nato, “seu Oliveira” – como era mais conhecido – nasceu em 24/08/1929, filho de d. Perine e José Domingos Oliveira. Seguindo o ofício do pai, o pequeno Antônio começou a trabalhar como marceneiro. Através desta profissão, já ajudava desde cedo no sustento de casa. Tinha mais seis irmãos, quatro homens e duas mulheres.

Ambicionando ares mais artísticos, ainda na juventude, após se deparar com um anúncio de um curso de pintura, por correspondência, do Instituto Universal Brasileiro, resolve embarcar na empreitada. Pela modalidade de ensino empregada, o curso não se mostrava muito eficaz, tendo o caxiense que contar com uma grande dose de auto-didatismo. Muito humilde, no início Oliveira fazia a matéria prima de seu trabalho utilizando os recursos naturais que tinha à disposição: da casca do pequi em decomposição, fazia a tinta preta; do urucum, fazia a tinta vermelha; do calcário, tinta branca. Adepto a um estilo de pintura mais impressionista, suas obras, em óleo sobre tela, imprimiam as marcas de suas rápidas pinceladas.

Aos poucos, Oliveira foi ganhando confiança, desenvolvendo seu estilo, e seu trabalho conquistando a admiração dos apreciadores de arte. Já reconhecido pela beleza de suas pinturas, na década de 1970, em homenagem póstuma ao padre Aderson Guimarães, o pintor resolveu eternizar o clérigo em sua tela. Tendo como referência uma fotografia, em preto e branco, do padre, o artista pintou um quadro, em tamanho natural, o qual fora destinado à Diocese de Caxias.

Mesmo tendo sempre variado nos objetos que retratava em suas pinturas, o artista tinha uma predileção pelos cenários caxienses. Pintando desde praças, natureza morta, objetos, pessoas, igrejas, riachos, casarões à reconstituições de episódios históricos. Quando da fundação do Memorial da Balaiada, em 2004, fora encomendado a Oliveira uma tela que retratasse a respectiva guerra. Nascia, assim, aquela que talvez seja a sua obra mais conhecida. Em sua interpretação visual dos fatos, o artista buscou retratar a violência e barbárie que marcaram esse episódio.

Além do trabalho pictórico, Oliveira produziu algumas esculturas. Na administração da prefeita Márcia Marinho, esculpiu para a Avenida Santos Dumont, em Caxias, um busto do famoso aviador, posto sobre um pilar modernista em forma de avião. Pilar, esse, que, em 2019, acabou sendo destruído, após um acidente de carro partir a estrutura ao meio, danificando também a escultura, que foi reformada e reposta no ano seguinte. Também chegou a produzir um busto de Vespasiano Ramos, que guardava em sua casa.

Trabalhando na Secretaria de Cultura de Caxias, Antônio ministrou aulas de pintura nas dependências do Centro de Cultura José Sarney. Casado com Maria Antônia da Luz de Oliveira, o artista teve três filhos; tendo residido em um imóvel localizado próximo à antiga estação férrea (atual CEFOL). Em 2001, recebeu o título de comendador da Ordem do Mérito Poeta Gonçalves Dias, de acordo com a lei municipal nº 1469/2001. Em 2018, a Exposição “Balaiada, A luta sem fim – 180 anos da revolta” trouxe suas obras ampliadas e colocadas no corredor de acesso ao Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília/DF.


Em 2020, através de uma iniciativa da Feira de Artes de Caxias intitulada “Invisíveis Presentes”, Antônio Oliveira, já em idade avançada, foi fotografado pelas lentes de David Sousa. A exposição virtual teve o intuito de homenagear alguns caxienses ilustres. Esse talvez tenha sido o último registro de Antônio, em vida; já que no dia 12/03/21, aos 91 anos de idade, o artista faleceu; tendo produzido mais de 800 telas, espalhadas pelo Brasil e exterior.


Fontes de pesquisa: Livro “Cartografias Invisíveis”/Vários Autores; Perfil do Instagram “Feira de Artes de Caxias; Livro “Por Ruas e Becos de Caxias”/Autor: Eziquio Barros Neto

“Dedicado aos economistas maranhenses, que estão comemorando a sua trajetória, e em memória de Antônio Duarte Badejo, meu colega de Turma”.

Fernando Pessoa dizia que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, porém não cheguei até aqui e ver o Brasil na situação econômico-financeira-social em que se encontra, exportando sem competitividade e importando de forma limitada, carente de investimentos e enfrentando um ‘mar’ de desempregados e famintos, na dependência das benesses do governo.

Dizem que sou o decano dos economistas maranhenses, mas não sei ao certo. Formado desde 1959, no Rio de Janeiro, pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas-FCPERJ, atualmente integrante da Universidade Cândido Mendes, ao longo desses mais de sessenta anos tenho procurado fazer a minha parte aproveitando as oportunidades que me foram e são oferecidas.

A profissão havia sido regulamentada ainda em 1951 e muitos dos que lutaram por essa conquista foram meus professores, como Alberto Almada Rodrigues, Reynaldo Souza Gonçalves e Elysio Belchior. A FCPERJ, então dirigida pelo Conde Cândido Mendes de Almeida Júnior, ilustre membro de tradicional família, com raízes no Maranhão, foi pioneira ao trazer para o Brasil o que já era praticado nas universidades europeias, decorrendo daí um curso com profundo viés acadêmico e enriquecido de práticas adequadas ao conhecimento da realidade brasileira.

Vivíamos uma ‘época de ouro’ do desenvolvimento econômico do Brasil, àquela altura governado por Juscelino Kubitscheck de Oliveira, com seu bem sucedido Plano de Metas; realmente foi assim, sob esse cenário favorável, que completei meu curso de Ciências Econômicas, fato que tem marcado minha vida profissional em busca do tempo perdido, como economista e professor.

No Rio de Janeiro, durante os dez anos de permanência, trabalhei em empresas voltadas para resultados, e fiquei familiarizado nas relações com Bancos e Repartições Públicas; frequentava as reuniões da Associação Comercial da capital federal, credenciado pela Associação Comercial de Caxias e aprendi muito nessa convivência. Certa vez, integrando uma delegação oficial, fui a Porto Alegre, para participar de um banquete em homenagem ao presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, recém eleito.

Aos 87 anos, aposentado,  faço um balanço dos meus cinco Livros editados, presentes em bibliotecas no Brasil e no exterior, com lançamentos precedidos de palestras, na Universidade Lumière, em Lyon-França, e na Faculdade de Economia da Universidade, em Coimbra-Portugal. 

Na qualidade de professor, aposentado pela UFMA, em 1997, antes, a partir de 1968, ajudei a criar as escolas de nível superior ligadas ao Estado do Maranhão, no caso a Escola de Administração, da qual me tornei fundador e titular, passando pela FESM e UEMA. Foram trinta anos dedicados à juventude, tentando ensinar todos a ‘voar’: é o que estou fazendo por vocês, dizia, mas ‘voar’ mesmo, depois de formados, dependerá de cada um. Acho que funcionou, pois a semente plantada deu bons frutos.

O CORECON, através do seu atual presidente João Carlos Marques, teve estreitadas nossas relações profissionais, repercutindo meus artigos e outorgando-me um prêmio importante, como economista de destaque, em 2021. Sou grato por essa distinção.

O Brasil está precisando dos economistas, para definir, de forma mais racional, políticas de governo capazes de promover um desenvolvimento gerador de emprego e renda, com justiça social.  Nada como está acontecendo: as diretrizes orçamentárias ignoradas e a taxa de juros usada como instrumento de política monetária, para combater uma inflação importada, que, no nosso caso, não é de demanda, mas de custos, onerando a dívida pública interna, cada vez mais alta, cara e de prazos curtos.

Relembro os grandes pensadores da ciência econômica, citados desde a página 24 do meu livro “Desafios/Challenges” que, a partir do século XVIII, definiram os pilares da nossa profissão: Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, William Stanley Jevons, Alfred Marshall e John Maynard Keynes, ortodoxos em suas formulações e determinantes da formação teórica da maioria dos nossos economistas, para o exercício de uma profissão ainda muito jovem.

Enviei aos organizadores do evento “Mês do economista”, que está sendo realizado desde o dia 16 do corrente, uma gravação de imagem e som sobre um tema atual, que venho denominando de ‘desafios à teoria econômica’, de interesse inclusive das Universidades.

“O dia se fez noite, mas o sol nascerá”.

*Augusto Brandão é Economista e membro Honorário da ACL, ALL e AMCJSP.

THE BATS – Quando a beatlemania chegou à Caxias

Sexta-feira, 28 de outubro de 1966. Noite de festa no Cassino Caxiense. Depois de vários dias de espera, era chegada a ansiada hora. Finalmente, os jovens caxienses estavam assistindo ao show da popular banda paulista The Clevers. Com cabelos caindo na testa, terninhos padronizados e “atitude rock ‘n roll”, os garotos eram muito prafrentex à uma Caxias habituada aos costumes mais tradicionais. Resumindo: a banda era o bicho! Mora?

O grupo foi contratado para tocar em um dia especial: a reabertura do C.R.C. (Clube Recreativo Caxiense; denominação que o Cassino passou a ter na década de 1960), que agora estava sob nova administração, e inauguraria, na oportunidade, o seu novo balcão-frigorífico. E como fora noticiado em um jornal do período, o Cassino “agora era dirigido por uma turma de jovens vontadosos“. Fazendo jus a alarmada jovialidade, nada melhor que reabrir as portas do clube com uma banda que estava na crista da onda.

E assim se dera. Ao som de músicas como “Não acreditei” (vídeo abaixo), os jovens dançavam e cantavam em coro. Diversão pura. Mas, além da simples diversão, para um grupo de seis amigos, fãs da banda, que assistiam maravilhados ao espetáculo, aquele show representava algo mais: uma possibilidade; um antigo desejo. O sonho era possível.

Quem eram esses jovens? Eram eles: Ribamar Palhano (Riba), Francisco Santos (Chico), Paulo Correa, José Carlos Santos (irmão de Francisco Santos), Gerardo Vidigal (Taqueira) e Alderico. Todos na faixa dos 20, 21 anos, vindos de famílias tradicionais de Caxias (Zé Carlos e Francisco são naturais de Barra do Corda).

Ainda estudantes do, antigamente, chamado “segundo grau científico” no Colégio Diocesano (nessa época, a instituição ainda era exclusiva para meninos), os garotos, na hora do intervalo, já sabiam para onde deveriam ir: a sala de instrumentos. Ali mesmo improvisavam um som. Paulo assumia os vocais; para ele a música não era de todo estranha, afinal, era sobrinho do professor de Música Adelmo Guimarães (irmão do pe. Aderson). Riba e Gerardo também tinham o gosto pela música correndo nas veias, tendo em vista que seu bisavô, Raimundo Ferreira Vilanova, havia tido uma orquestra. E os outros garotos possuíam já alguma intimidade com alguns instrumentos, pois tocavam nos desfiles cívicos de 7 de setembro, do colégio.

Mas os minutos de intervalo não eram suficientes, o que levava os garotos a se reunirem à Praça Gonçalves Dias. Para o instrumental, o violão de Paulo bastava. Cantando os sucessos da época, os jovens ficavam até altas horas da noite nos bancos da praça. Era a época de bandas como The Beatles e The Beach Boys, para citar as internacionais. No Brasil, o ritmo conhecido como “iê, iê, iê” logo chegou às paradas do rádio, e nomes da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ronnie Cord e Wanderleia, não saiam da boca dos mais jovens. E essas foram algumas das inspirações para o sexteto de amigos.

Aquele show do The Clevers atiçou ainda mais a antiga vontade de montar uma banda de rock. No ano seguinte, em 1967, o grupo deu vida à ideia e começou a se organizar. A divisão de instrumentos foi a seguinte: Paulo assumiria os vocais e guitarra-solo; José Carlos, guitarra-base e segunda voz; Chico, contrabaixo e voz; Riba e Taqueira, bateria (um tocava a primeira parte da festa, enquanto o outro fazia percussão; na segunda parte da festa, revezavam). Alderico (filho da professora Miroca), devido a restrições impostas pela família, não pôde participar do grupo.

E qual seria o nome da banda? “The Bats” (Os Morcegos, em tradução literal) foi o escolhido. Com um nome internacional, o nome dos integrantes deveria ser em inglês, pensaram. Agora, Riba era “Mike”; Chico, “Francis”; Paulo, “Paul”; Zé Carlos, “Charles”; e Gerardo, “Snake”.

E os instrumentos? Nada que um improviso não resolvesse. Para tanto, contaram com os serviços de Mário Beleza, tradicional músico caxiense que também exercia o ofício de marceneiro. Seguindo as ideias apresentadas pelos jovens, Mário, como podia, dava vida aos instrumentos, já que não tinha muita experiência no ofício de luthier. No início, nem tudo saiu como o planejado. Os primeiros instrumentos produzidos por Beleza logo apresentaram problemas em sua confecção, o que impossibilitava o uso. Após os erros iniciais, as falhas foram sendo ajustadas. Já para a elétrica dos aparelhos – parte responsável pela saída do som nos amplificadores -, os amigos contaram com a ajuda de um técnico em rádio de nome Felipe.

Contando com o total apoio do presidente do Cassino, Getúlio Silva (filho do casal Alderico e Dinir), o The Bats poderia ensaiar nas dependências do clube, bem como realizaria sua primeira apresentação no local. Após as devidas preparações, enfim o grupo fez a sua apresentação de estreia, em uma noite de Sábado, nas dependências do Cassino. Já saudosos dos The Clevers, os caxienses foram, em peso, prestigiar os jovens estreantes. No repertório, covers dos artistas de sucesso da época (músicas de “Renato e Seus Blue Caps” eram recorrentes). Com o sucesso do show, foi marcada uma segunda apresentação para o dia seguinte, a ser realizada na AABB (que ainda funcionava no centro da cidade).

Com o êxito do grupo, Getúlio Silva se comprometeu a adquirir novos instrumentos à banda, que viriam de Fortaleza. Em contrapartida, o The Bats faria apresentações no restaurante (extinto na década de 1970) do balneário Veneza, o qual o bar era arrendado ao Cassino Caxiense. E assim se dera. Todo o sábado à noite, show no Cassino; Domingo, pela manhã até uma 15h, show na Veneza. Cumprindo a promessa, algum tempo depois, com a presença do então prefeito de Caxias, Aluízio Lobo, os novos instrumentos foram entregues aos músicos.

Após alguns shows, o The Bats já era sucesso na cidade. Sendo que, ao final de uma dessas apresentações, um empresário artístico foi procurá-los, oferecendo os seus serviços. Ambas as partes de acordo, negócio fechado. Com a entrada desse empresário, as coisas ficaram mais profissionais. Primeiro que o agenciador venderia a banda como sendo de São Luis, o que, a seu ver, facilitaria a contratação por outras praças. E a estratégia parece que deu resultados, já que o que antes era restrito à Caxias e região, passou a incluir no roteiro diversas cidades do Piauí e Maranhão (como: Presidente Dutra, Barra do Corda, São Domingos etc.). A logomarca do grupo, caracterizada por um morcego, além de estar presente no bumbo da bateria, foi pintada na Kombi que rodava com o grupo em shows nas outras cidades.

Para mostrar que levavam o sonho à sério, o quinteto providenciou “uniformes” para os shows, tal qual os grupos da época; sendo, estes, confeccionados pelos próprios familiares. De estampas floridas à jaquetas similares as dos Beatles, a banda ousava. Ribamar foi além. Inspirado em uma capa de disco de Roberto Carlos, pediu ao irmão Antônio, sapateiro, que fizesse uma bota idêntica à do cantor.

A cabeleira do grupo causou estranhamento aos menos habituados, haja vista a nota humorada emitida em um jornal da cidade: “Acredito que para se tocar guitarra ou seja lá o que diacho for de nada servem os cabelos. Mas eles [o grupo The Bats] são donos deles e naturalmente não querem servir de peruca para ninguém…”

Em determinada ocasião, o Cassino contratou uma banda de grande sucesso do Rio de Janeiro chamada “Ivanildo e Seu Conjunto”. Mas, para a surpresa dos organizadores, nada saiu como o esperado. Logo que a banda começou a tocar os primeiros acordes, os “pés-de-ouro” (dançantes) começaram a reclamar. Queriam algo que balançasse mais o esqueleto, afinal, eram tempos de rock! Não teve jeito, dispensada a banda, os Bats foram contratados para substituir o conjunto.

Foram meses intensos de apresentações, o que proporcionou aos jovens, além de uma renda razoável, muita diversão. E como tudo que é o bom dura pouco, com o The Bats não foi diferente. Após oito meses de carreira, chegava ao fim o grupo. Mas o término já era meio que esperado.

Objetivando concluir as suas respectivas formações acadêmicas, os amigos tiveram que se separar, já que cada um rumou para uma cidade diferente. Dos cinco, apenas Riba continuou em Caxias, onde integrou por algum tempo o conjunto Os Naturais – depois, mudou-se para São Luis.

Como muitos conjuntos caxienses da época, o The Bats, infelizmente, não deixou nenhum tipo de registro fonográfico. 

Hoje, mais de cinquenta anos após o encerramento do The Bats, muitos caxienses são saudosistas ao lembrar da banda. Já setentões, cada um dos cinco integrantes do grupo, atualmente vive em cidades diferentes do Brasil. Ao que se sabe, nenhum deu prosseguimento à carreira musical, e nunca mais reuniram-se após o fim da banda. Uma reunião já foi tentada pelos organizadores da tradicional festa da “Velha Guarda Caxiense”. Contudo, segundo Ribamar Palhano (quem eu entrevistei para essa matéria), o reencontro é improvável, não sendo possível por questões logísticas e pessoais de cada integrante. Torçamos para que, um dia, esse reencontro aconteça, nem que seja one night only!


Fontes de pesquisa: Depoimento cedido, gentilmente, por Ribamar Palhano; Livro “Cartografias Invisíveis”/Capítulo de autoria de Nonato Ressurreição; Jornal “Folha de Caxias”

Imagens da publicação: Créditos nas imagens

Acontece no mês de agosto, em Caxias e nos diversos rincões deste Brasil onde o Santo é venerado; uma semana de ladainhas culminando com o grande dia da Missa solene rezada no domingo.

Tradicionalmente, na “Princesa do Sertão”, o Largo em frente à Igreja do Santo é o palco dessa festa já incorporada às nossas tradições embora, em tempos idos, tenha sido deslocada para os domínios do Largo de São Sebastião, Santo também muito venerado por todos e particularmente grato aos Atiradores do Tiro de Guerra 194. Quem serviu naquela unidade do exército brasileiro e graduou-se como Reservista de 2ª categoria sabe bem o porquê.

Durante a Festa eram feitos convites especiais aos que faziam a vida da Cidade, a setores da administração municipal importantes nos seus grandes objetivos; associações de classe, clubes de serviço, conselhos comunitários e a sociedade civil organizada, também eram convidados. Era uma confraternização geral.

As lembranças da Festa são muitas: as rezas sob o fervor do calor intenso, as quermesses de toda sorte de prendas, a roda-gigante a girar vagarosamente, os barquinhos de balanço arriscado e os balões que não resistiam ao sumo de limão. A missa do grande dia da festa, na Igreja cheia de gente, muitos ou quase todos de roupa nova, homens e mulheres, pois fazia parte da tradição, dos usos e costumes daquela época.

Era um tempo em que todos se permitiam esse ‘luxo’ e em que as economias acumuladas demonstravam o seu padrão: para as moças roupas mais simples até as mais sofisticadas, de organza, musseline, seda; para os rapazes ternos de linho importado e tropical inglês. Tudo ficava mais bonito: ver as pessoas sentirem-se mais valorizadas, sua autoestima nas alturas e o prazer de mostrar sua beleza.

Na nossa família, entre os homens, acontecia mais ou menos assim: tecido fornecido pela Casa Brandão, loja do meu saudoso pai Antônio Brandão; feitio e costura a cargo do Joaquim Gabriel, um alfaiate competente, mas impontual até certo ponto. Ele era fã do Orlando Silva e vivia a cantarolar suas músicas enquanto costurava, e ‘viajava’ dando formato às ombreiras do paletó: “…lábios que eu beijei mãos que eu afaguei, numa noite de luar assim; o mar na solidão bramia e o vento a soluçar pedia que fosses sincera para mim …”.

Os cortes de tecido eram entregues ao Joaquim Gabriel, com muita antecedência, pois ninguém queria correr o risco de não poder vestir roupa nova, no dia da Festa; seguiram-se várias sessões de provas, de ajustes, até que tudo ficasse moldado ao corpo de cada modelo, mas, acreditem, toda essa antecedência não era o bastante para o “artista da tesoura”, pois acabava entregando o terno (paletó e calça curtos) em cima da hora! Aí era vestir de qualquer jeito mesmo que às vezes o paletó ficasse apertado e a calça, frouxa, fora de prumo, e rumar para o Largo de São Benedito, para a Missa solene das 9 horas.

Certa vez minha mãe resolveu trocar de alfaiate, para alegrar uma amiga de longas datas, Zefinha, antiga colaboradora da nossa casa revezando-se, sempre, com a Cota e a Condessa; não me lembro de nenhuma outra que tenha feito parte da nossa família, fosse lavadeira, copeira ou cozinheira.

Zefinha tinha um filho empregado da Usina Dias Carneiro, do ‘seu’ Nachor Carvalho, pioneiro nessa atividade empresarial, em Caxias; gente fina, o filho da nossa colaboradora, na verdade era eletricista de formação, mas, segundo a própria mãe, conhecedor do ofício da alfaiataria, embora não houvesse compatibilidade entre as profissões.

E aí, com a mesma antecedência de sempre, entregamos os cortes de linho ao dublê de eletricista-alfaiate, para a confecção das nossas roupas da Festa. Que desastre! Como foi mais rápido do que o antecessor, o Joaquim Gabriel, o Zé não poderia ter caprichado tanto, pensemos. Dito e feito, as roupas não serviam nem para vestir, pois o paletó ficou frouxo e a calça, apertada; não havia conformidade entre as peças.

Destino do paletó, que sobrou: virou uma camisa ‘gandola’ (aquela que tem dois bolsos, um de cada lado, e termina abotoada à altura da cintura), feitio muito em moda naquela época. Quem não teve uma?

Estas são memórias, lembranças de um tempo bom de pessoas cheias de vontade, ingênuas até certo ponto, apenas desejando ganhar honestamente o seu dinheiro, sem depender, como hoje, das ações da filantropia oficial.

Zefinha, Cota, Condessa, Ana, Joaquim Gabriel, nossos colaboradores e amigos de tempos idos, tempos em que Caxias fazia questão de cultuar suas mais caras tradições e da forma mais digna possível.

Continuamos necessitando da união de esforços, de compreensão e integração de propósitos, de perseverança, para podermos honrar nossas tradições. E de muita Fé em São Benedito.

Salve o glorioso Santo, salve!

*Augusto Brandão é Economista, Membro Honorário da ACL, ALL e AMCJSP.