Delfilândia, o casarão de José Delfino

Quem passa pela longa rua 1° de Agosto, com certeza já se deparou com o imóvel que é tema desta postagem. Em ruínas, nem de longe o casarão lembra os templos gloriosos do passado. Ainda assim, o prédio “conserva” o restante de sua beleza original. Quem o vê, muitas vezes se questiona: “Quem será que morou aqui?”, “Quando foi construído?”, “Por que se encontra nesta situação?”. E foi em virtude dessas perguntas que tive a ideia dessa postagem; para tentar esclarecer um pouco dessa história. E tudo tem início na cidade de Pedreiras, no Maranhão.

No referido município, no dia 09/12/1895, nasceu José Delfino da Silva, filho mais velho do casal Delfino Ferreira da Silva e Maria de Jesus Bayma Gonçalves (Tiazu). Entre os seus sete irmãos, estavam: Alderico Silva e Maria da Mercês, a “Tia Miroca”. Na juventude, José Delfino muda-se para Caxias, onde obtém sucesso como empregado no comércio, fazendo com que, em 1915, trouxesse toda a sua família para residir na cidade.

Com o aumento de capital, logo funda a sua firma, J.D. Silva & Companhia, em 1916; inaugurando, no ano seguinte, o vasto armazém “Bazar Elegante”, com instalações à rua 1° de Agosto. A partir daí, os seus negócios só cresceram. Dono de um império, tornou-se um dos homens mais ricos e influentes do Maranhão. Sobre a riqueza do empresário, escreveu Libânio Lôbo: “O Zé Delfino usava, denotando status de alto coturno, um brilhante de alto quilate. E grande. Brilhava ao sol. Chegando a ofuscar, nos movimentos da mão. Donde alguns, incomodados com aquele status, alcunhá-lo, à socapa, de “O Diamante”.

Na década de 1920, foi eleito vice-prefeito de Caxias para o mandato de 1925/1927. Ante a renúncia do prefeito, assumiu a chefia do executivo municipal até 1927, quando também renunciou ao cargo, não concorrendo mais a cargos políticos. Com o fim do “Bazar Elegante”, José Delfino (ou “Zé Delfino”, como era mais conhecido) inaugura, em 1940, em frente à sua firma, a loja varejista “A Babylonia”, que logo conquistou uma grande clientela.

É por volta dessa época – final da década de 1930 e início de 1940 – , que o empresário adquiri diversos imóveis naquela rua, bem como em ruas paralelas. O seu domínio imobiliário era tão grande naquelas vias, que uma delas fora renomeada de Delfinópolis (nome que permanece até hoje). E, dentre esses imóveis, estavam alguns antigos casarões coloniais que ladeavam a sua firma. Naquele local, José Delfino decidiu construir a sua nova residência. E para fazer jus ao seu poderio financeiro, bem como para trazer ares de modernidade ao seu futuro lar, decidiu demolir os imóveis e construir um casarão com toda pompa e grandiosidade.

E assim, por volta do início da década de 1940, é finalizada a nova residência do empresário. Com amplo jardim frontal, diversas colunas em sua fachada, além de um chafariz em sua parte interna, a edificação era de uma beleza ímpar, ainda mais para os padrões caxienses daquela época. Na platibanda do imóvel fora escrito: “Delfilândia”, que nasce da junção das inicias do nome de seu proprietário, com a aportuguesada versão da palavra “land”, que siginifica “terra”, “nação”, “território”. Além do empresário, o “território de Delfino” era o lar de sua esposa, Raimunda Cantanhede, e de sua numerosa descendência.

Além de ser sua morada, naquele local Delfino recebeu diversas autoridades de todo o país e promoveu eventos para convidados da alta sociedade caxiense. O casarão permaneceu por alguns anos como um dos mais belos da cidade, até que, em 1952, seu irmão, Alderico Silva, que também vivia períodos de bonança financeira, construiu o seu belo palacete naquela mesma rua, “desbancando”, assim, o reinado do primogênito.

Na década de 1950, alguns dos dez filhos de José Delfino e Princesa (apelido de Raimunda), já haviam constituído família e, consequentemente, saído do casarão; passando o casal a residir com alguns filhos e netos. Nos negócios, as coisas não iam muito bem para Zé Delfino, como escreveu o pesquisador Eziquio Neto: “Negando-se a seguir pedidos políticos de Vitorino Freire, líder do regime maranhense conhecido como “vitorinismo”, o empresário passou a ser perseguido pelo governo. Delfino foi proibido de usar a estrada de ferro para transportar sua produção de babaçu, sendo ele o maior produtor da região. Assim, tentou outros meios para solucionar esse problema, como a navegação pelo rio Itapecuru, fazendo com que gastasse uma fortuna por uma empreitada que acabou não tendo resultados”. Libânio Lôbo (in memoriam) complementa: “O Vitorino Freire deixava a pão e laranja seus opositores. O Zé Delfino, por amor à retidão, caiu nesse rol. Foi o começo do seu fim.”

Nessa época, a luz em Caxias, fornecida pela Usina Dias Carneiro, era ligada das 18h às 23h. Quando havia luz elétrica pela manhã, era um sinal de que alguém importante morrera. E fora assim na manhã de 19/04/1958, quando logo cedo as luzes já iluminavam Caxias. Espantados, os caxienses logo souberam o motivo: havia falecido José Delfino da Silva, vítima de um ataque cardíaco. Tinha 62 anos.

Viúva, Princesa permanece no imóvel até falecer. Após a partida dos pais, a casa passa a ser habitada por algumas das filhas do casal. E assim permaneceu até a década de 2000. As filhas, Denize e Mitonha, foram as últimas a residirem no local, permanecendo até, por volta, de 2010. A partir daí, o imóvel fora abandonado, tendo sido, por volta de 2011, colocado para venda. Não se sabe ao certo o porque do abandono, o que se sabe é que a descendência de José Delfino é muito grande e está espalhada pelo Brasil, o que, talvez, dificulte a situação de venda do imóvel – mas isso é apenas uma suposição.

Abandonado e sem passar, há anos, por nenhum tipo de benfeitoria em sua estrutura, o imóvel passou muito tempo como ponto de uso de drogas. Tendo suas paredes e portas rabiscadas e queimadas, além do matagal que crescera em seu jardim. Em 2019, o fotógrafo caxiense David Sousa realizou uma exposição virtual sobre o imóvel chamada: “Delfilândia: tetos, chão e histórias…”. Nas fotos feitas por ele (abaixo) é possível – mesmo considerando o seu estado de conservação – ter uma noção da beleza do casarão:

Em 2021, o artesão e pedreiro José Henrique da Silva, que trabalha nas imediações do casarão, decidiu, por conta própria, fazer uma limpeza no imóvel, para que, assim, tivesse um local para dormir, já que passava a noite no relento das praças da cidade. Além de retirar o lixo que se acumulava, José capinou todo o mato e realizou algumas intervenções artísticas na fachada do imóvel, que ganhou diferentes cores. Diante da iniciativa, o canal “Pa! Pô! Papo de Poeta” realizou, em 2022, uma entrevista com José, onde ele fala um pouco mais sobre a sua história com o imóvel:


Fontes de pesquisa: Livro Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto; Site Tiazu; Livro Álbum de Caxias, MA, A Princesa do Sertão/Autores: Raimundo Medeiros e Linhares de Araújo; Livro Vulto Singular, Em Meio ao Rico Mosaico/Autor: Libânio da Costa Lôbo

Imagens da publicação: Créditos nas imagens

Restauração, colorização e design das imagens: Brunno G. Couto

3 comentários em “Delfilândia, o casarão de José Delfino

  1. Acompanhei a partir dos anos 50, o que foi essa bela trajetória dos Delfinos. Trabalhei aí próximo na Singer do Sr.João Leitão, que eram vizinhos.Quando volto a Caxias,o que faço várias vezes por ano e passo em frente aquele casarão,ficava me perguntando o porquê daquele abondono,o que foi explicado nessa reminiscência.Parabens a vocês que nos proporcionam essas recordações.

  2. É com muita alegria que leio, mais uma vez, uma história de um grande empresário caxiense. Uma importante notícia – que eu não conhecia, diga-se de passagem – é que o Sr. Alderico Silva ( Sr. Dá, como era chamado) era irmão de Zé Delfino. Dois gigantes de minha querida cidade. Outra notícia muito boa foi saber de um grande amigo dos meus tempos, Magnaldo Cirino Barbosa, que era irmão de um grande amigo dos meus tempos: Ludimar Cirino Barbosa (que está com Deus).

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