Acontece no mês de agosto, em Caxias e nos diversos rincões deste Brasil onde o Santo é venerado; uma semana de ladainhas culminando com o grande dia da Missa solene rezada no domingo.

Tradicionalmente, na “Princesa do Sertão”, o Largo em frente à Igreja do Santo é o palco dessa festa já incorporada às nossas tradições embora, em tempos idos, tenha sido deslocada para os domínios do Largo de São Sebastião, Santo também muito venerado por todos e particularmente grato aos Atiradores do Tiro de Guerra 194. Quem serviu naquela unidade do exército brasileiro e graduou-se como Reservista de 2ª categoria sabe bem o porquê.

Durante a Festa eram feitos convites especiais aos que faziam a vida da Cidade, a setores da administração municipal importantes nos seus grandes objetivos; associações de classe, clubes de serviço, conselhos comunitários e a sociedade civil organizada, também eram convidados. Era uma confraternização geral.

As lembranças da Festa são muitas: as rezas sob o fervor do calor intenso, as quermesses de toda sorte de prendas, a roda-gigante a girar vagarosamente, os barquinhos de balanço arriscado e os balões que não resistiam ao sumo de limão. A missa do grande dia da festa, na Igreja cheia de gente, muitos ou quase todos de roupa nova, homens e mulheres, pois fazia parte da tradição, dos usos e costumes daquela época.

Era um tempo em que todos se permitiam esse ‘luxo’ e em que as economias acumuladas demonstravam o seu padrão: para as moças roupas mais simples até as mais sofisticadas, de organza, musseline, seda; para os rapazes ternos de linho importado e tropical inglês. Tudo ficava mais bonito: ver as pessoas sentirem-se mais valorizadas, sua autoestima nas alturas e o prazer de mostrar sua beleza.

Na nossa família, entre os homens, acontecia mais ou menos assim: tecido fornecido pela Casa Brandão, loja do meu saudoso pai Antônio Brandão; feitio e costura a cargo do Joaquim Gabriel, um alfaiate competente, mas impontual até certo ponto. Ele era fã do Orlando Silva e vivia a cantarolar suas músicas enquanto costurava, e ‘viajava’ dando formato às ombreiras do paletó: “…lábios que eu beijei mãos que eu afaguei, numa noite de luar assim; o mar na solidão bramia e o vento a soluçar pedia que fosses sincera para mim …”.

Os cortes de tecido eram entregues ao Joaquim Gabriel, com muita antecedência, pois ninguém queria correr o risco de não poder vestir roupa nova, no dia da Festa; seguiram-se várias sessões de provas, de ajustes, até que tudo ficasse moldado ao corpo de cada modelo, mas, acreditem, toda essa antecedência não era o bastante para o “artista da tesoura”, pois acabava entregando o terno (paletó e calça curtos) em cima da hora! Aí era vestir de qualquer jeito mesmo que às vezes o paletó ficasse apertado e a calça, frouxa, fora de prumo, e rumar para o Largo de São Benedito, para a Missa solene das 9 horas.

Certa vez minha mãe resolveu trocar de alfaiate, para alegrar uma amiga de longas datas, Zefinha, antiga colaboradora da nossa casa revezando-se, sempre, com a Cota e a Condessa; não me lembro de nenhuma outra que tenha feito parte da nossa família, fosse lavadeira, copeira ou cozinheira.

Zefinha tinha um filho empregado da Usina Dias Carneiro, do ‘seu’ Nachor Carvalho, pioneiro nessa atividade empresarial, em Caxias; gente fina, o filho da nossa colaboradora, na verdade era eletricista de formação, mas, segundo a própria mãe, conhecedor do ofício da alfaiataria, embora não houvesse compatibilidade entre as profissões.

E aí, com a mesma antecedência de sempre, entregamos os cortes de linho ao dublê de eletricista-alfaiate, para a confecção das nossas roupas da Festa. Que desastre! Como foi mais rápido do que o antecessor, o Joaquim Gabriel, o Zé não poderia ter caprichado tanto, pensemos. Dito e feito, as roupas não serviam nem para vestir, pois o paletó ficou frouxo e a calça, apertada; não havia conformidade entre as peças.

Destino do paletó, que sobrou: virou uma camisa ‘gandola’ (aquela que tem dois bolsos, um de cada lado, e termina abotoada à altura da cintura), feitio muito em moda naquela época. Quem não teve uma?

Estas são memórias, lembranças de um tempo bom de pessoas cheias de vontade, ingênuas até certo ponto, apenas desejando ganhar honestamente o seu dinheiro, sem depender, como hoje, das ações da filantropia oficial.

Zefinha, Cota, Condessa, Ana, Joaquim Gabriel, nossos colaboradores e amigos de tempos idos, tempos em que Caxias fazia questão de cultuar suas mais caras tradições e da forma mais digna possível.

Continuamos necessitando da união de esforços, de compreensão e integração de propósitos, de perseverança, para podermos honrar nossas tradições. E de muita Fé em São Benedito.

Salve o glorioso Santo, salve!

*Augusto Brandão é Economista, Membro Honorário da ACL, ALL e AMCJSP.