Noites de Junho (Texto de Augusto Brandão)

*Antônio Augusto Ribeiro Brandão

Vencidos os ventos de maio as ‘lanceadas’ nos descampados da cidade mal haviam começado entre os amantes desse esporte. Os ‘papagaios’ feitos por dona Léa Cunha compunham um festival de cores a ‘embandeirar’ a sala da casa dela: uns todo preto com bolas vermelhas, outros de uma só cor, cada lado de uma cor, de várias cores aos pedaços compondo o todo.

Estávamos novamente próximos a festejar Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal. Nessa época, Caxias ficava animada, ensolarada e muita ventilada, com disputas acrobáticas daqueles ‘triângulos’ enfeitados na ponta de uma linha reforçada com cerol, para ver quem ‘cortava’ melhor.

Pessoalmente, nunca fui muito bom nesse esporte, mas existiam exímios lanceadores. Meu maior prazer era ver essas verdadeiras ‘obras-de-arte’ dispostas em um varal de linha, para escolha.

Os festejos juninos que se seguiam alegravam as noites da cidade e ‘varavam’ as suas frias madrugadas. Lembro-me, por exemplo, da Marujada, comandada pelo Atanásio, que conheci já bem idoso.

Tendo à frente o Joaquim Soldado, envergando uma vistosa e colorida fantasia de adereços diversificados dos pés à cabeça, visitava as residências portando uma escultura em madeira de um animal qualquer, carregado no topo de uma taboa, bicho que tanto podia ser uma cotia como um porco. As manifestações do Divino Espírito Santo também enriqueciam o nosso acervo cultural de valores e crenças.

Tenho algumas preferências pelo bumba-boi, embora não seja um frequentador assíduo dos arraiais onde canta e dança. Acho lindas as dançarinas vestidas de índias, e as toadas; lembro-me de um nosso eficiente colaborador em tempos idos, que gostava de cantar quando ia despachar comigo e apreciava, como eu, a “Bela Mocidade”, a mais bonita já composta pelo Donato, cantador um tanto esquecido pelos ludovicenses.

Voltemos a Caxias dos anos 46 a 54, no mês de junho, onde, com antecedência, moças e rapazes já haviam ensaiado as danças tradicionais da época, destacando-se as ‘quadrilhas’. O grande mestre Othon Cunha, de tradicional família da qual descende a minha inesquecível Conceição, era um exímio dançarino de todos os ritmos, um verdadeiro Fred Astaire.

A Praça Gonçalves Dias se transformava em um verdadeiro campo-de-guerra entre os adultos: busca-pés, morteiros, foguetes, além dos inofensivos estalinhos, a cargo dos mais jovens, das crianças. O cheiro de pólvora impregnava o ar misturado à fumaça dos artefatos detonados.

E as crendices? Eram muitas: a de que Santo Antônio é casamenteiro, a de que pingos de vela numa bacia com água desenham as iniciais do nome do futuro marido ou esposa, a de que uma faca enfiada na bananeira vem manchada com as letras iniciais daquele ou daquela que virá e ficará para sempre de posse do nosso coração.

Conceição, minha sempre lembrada esposa, garantia que fizera isso! Foram 60 anos de feliz convivência entre namoro, noivado e casamento.

Nos anos de 2001 a 2004, o destino, pela mão dos homens e mulheres, e em certas circunstâncias, acabou por colocar sob minha responsabilidade velar pela cultura de Caxias, assim como pela educação, o desporto e o lazer, pela restauração do patrimônio histórico. Foram grandes os esforços despendidos em pleitos inclusive submetidos ao Ministério da Cultura, quando Gilberto Gil estava à sua frente.

Tentar recuperar espaços antes palco de manifestações do gênero, como o Teatro Fênix e o que ainda existe no Centro de Cultura; resgatar o que denominamos a História Oral da Cidade; instalar uma Biblioteca Pública; dotar a Lira Municipal de novos instrumentos musicais; promover cada vez mais os intelectuais adquirindo seus livros, para acervo das escolas.  

Que todos aproveitem e se divirtam em nome da paz e da tranquilidade, a tônica entre os caxienses e ludovicenses amantes das letras, das artes e comprometidos com o bem-estar e o progresso.

*Economista. Membro Honorário da ACL, ALL e AMCJSP.

Um comentário em “Noites de Junho (Texto de Augusto Brandão)

  1. Belas recordações da saudosa Caxias berço de grande parte da nossa família, os Guimarães Costa, grande mesmo em número de descendentes de D.Adriana e de seu Pedro Costa que geraram 17 rebentos para prosperar apenas 10, todos estudados, formados e que deram sequência a proliferação de meninas e meninos que honraram a terra de Gonçalves Dias, mas nascido na rua Coelho Neto, 13, mesma rua onde também veio ao mundo o “príncipe da literatura brasileira”. Fico feliz com os Recuerdos trazidos a lume pelo professor Antônio Augusto Ribeiro Brandão, ilustre academico e imortal das Instituições do gênero, tanto de âmbito local, como estadual e nacional, além de suas incursões como conferencista nos Estados Unidos e Europa, com brilho é competência. Agradeço a instituição caxiense que posdibilitou a divulgação dessa crônica rica de saudosas lembranças. Sou José Mário Ribeiro da Costa, caxiense de nascimento e coração, terra onde nasci, me criei, estudei, brinquei e vivi muitos dos relatos do período junino de Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal, nem sempre lembrado mas não esquecido pelo autor a quem por esse meio agradeço.

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