Palestra proferida pelo caxiense Augusto Brandão na Universidade de Coimbra

PALESTRA EM COIMBRA
Minhas palavras iniciais são de agradecimento às autoridades da Universidade de Coimbra e de sua Faculdade de Economia, que gentilmente acataram minha disposição em visitá-las. Desta vez venho proferir uma Palestra cheia de invocações ligadas à história do Brasil e de Portugal, plena de assuntos do particular interesse dos atuais e futuros economistas, e comentar sobre algumas das crônicas do meu mais recente Livro, que autografarei em seguida.
Magnífico senhor reitor da Universidade de Coimbra, Professor Doutor João Gabriel Silva, em nome do qual saúdo seus ilustres Vice-reitores e Diretores;
Senhor diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Professor Doutor José Joaquim Dinis Reis, e seus subdiretores;
Demais autoridades aqui presentes, colegas professores e estimados alunos de Coimbra, onde “pelas ruelas pipocam as tradicionais e animadas repúblicas dos estudantes” e que, desde 1537, “perambulam com livros debaixo do braço, ocupam as mesas dos cafés e dos bares, cantam fado e fazem festa noite adentro”.
A todos trago um abraço dos maranhenses de São Luís do Maranhão, a única cidade brasileira fundada pelos franceses, em 1612, e colonizada pelos portugueses, desde 1615.
Esta visita tem para mim um significado todo especial. Estou na vetusta e histórica Universidade de Coimbra, fundada no século XIII, em 1290, que teve papel fundamental na formação da elite brasileira; e tenho raízes portuguesas advindas de minha avó materna, Maria Laura da Silva Ribeiro, nascida na província de Trás-os-Montes e Alto Douro, legando-me o gosto pelos produtos da terra e o amor pelas conquistas dos Grandes Navegadores.
Até meados do século XIX, a maioria dos nossos ministros graduou-se em Coimbra, como é o caso de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), considerado Patriarca de Independência do Brasil (1822), e os escritores Antero de Quental, Eça de Queirós. Luís de Camões, Mário de Sá Carneiro, Gregório de Matos e Tomás Antônio Gonzaga.
Atualmente, a Universidade de Coimbra é a instituição no exterior com mais estudantes brasileiros, pelos diversos Termos de Cooperação celebrados e renovados com suas congêneres nacionais, como é o caso da Universidade Federal do Maranhão, da qual sou professor de economia (aposentado) e represento-a neste momento solene.
A Universidade de Coimbra, referência internacional na área de direito, tornou-se mais recentemente também um polo respeitado na Europa em pesquisa de saúde e produção de tecnologia, e desde o período medieval e Renascimento, é uma depositária de fontes documentais. Mário Brandão, que tem o meu sobrenome, figura entre seus autores mais citados nas décadas de 1930, 40, 50 e 60.
Um lídimo representante desse referencial, Manuel Fran Paxeco, nascido Manuel Francisco Pacheco (1874-1952), jornalista, escritor, diplomata e professor de português, foi Cônsul de Portugal no Maranhão, aonde chegou no dia 2 de maio de 1900; autor de várias obras e de grande amor pelo Estado foi membro fundador da Academia Maranhense de Letras e casou-se com a maranhense Isabel Eugênia de Almeida Fernandes, natural de São Luis, de quem teve uma filha, Elza Fernandes Paxeco, “primeira senhora doutora pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa”.
O Maranhão e seus intelectuais, diz Rossini Correa, tiveram um papel fundamental na formação de uma identidade nacional, quando o nosso Estado foi rico […], os filhos das classes mais abastadas iam estudar na Europa e traziam o conhecimento acumulado para aplicar no Brasil […]. Destacaram-se na literatura nesse período Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Gomes de Souza, Vieira da Silva, que ajudaram a fundar o humanismo no Brasil; depois os irmãos Artur e Aluísio Azevedo, mesmo finda a opulência, surgiram como nomes na literatura estadual […].
Dentre os muitos e ilustres maranhenses que estiveram em Coimbra, mais recentemente, destaca-se o professor José Maria Cabral Marques, advogado pela antiga Faculdade de Direito de São Luís, ex-reitor da Universidade Federal do Maranhão, membro da Academia Maranhense de Letras, e agraciado com a Ordem da Instrução Pública, no Grau de Comendador, da Presidência da República de Portugal.
Desejo ressaltar que venho à Universidade de Coimbra, e a esta sua prestigiada Faculdade de Economia, em nome da Universidade Federal do Maranhão, da qual sou professor aposentado, como disse, e onde ensinei por quase vinte anos ininterruptos; egresso da Universidade Estadual do Maranhão, onde fui professor titular fundador de uma das suas primeiras escolas de nível superior geridas pelo Estado do Maranhão, a Escola de Administração Pública, venho também em nome das Academias Caxiense de Letras, em Caxias, minha terra natal, e da Academia Ludovicense de Letras, em São Luís.
A Universidade Federal do Maranhão é uma instituição relativamente nova, pois foi oficialmente criada em 1966. Antes existiram Escolas isoladas e que foram transformadas em uma Fundação.
Atualmente, tendo à frente o Magnífico Reitor Natalino Salgado Filho, a quem agradeço o incondicional apoio à minha viagem, nossa Universidade tem experimentado franco progresso na melhoria e expansão dos seus diversos cursos pelos inúmeros campi, no Estado do Maranhão, além de significativa ampliação das suas instalações no campus do Bacanga, em São Luís, onde mantém sua sede. Estamos vivendo um acelerado progresso em todos os sentidos.
Parodiando a letra da música e afirmando que “no peito dos economistas também bate um coração”, além de restabelecer contatos com esse berço tradicional da vida universitária, Coimbra, e como fiz recentemente na França, em Lyon, no Instituto de Estudos Brasileiros da Université Lumière 2, venho também doar e autografar meu segundo livro “Crônicas de 400 anos/Chroniques de 400 ans”, bilíngue português/francês, escrito para homenagear o 4º Centenário de São Luís do Maranhão, que, como disse, foi fundada pelos franceses e colonizada pelos portugueses.
Diz o economista maranhense José Cursino Raposo Moreira, meu amigo, na “orelha” do meu primeiro livro intitulado “Fortes Laços”, que se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, desde 2009, quando, pela primeira vez, visitei a cidade, e a propósito de alguns de nós mesmos: “[…] os economistas, pela própria natureza de sua formação, desenvolvem um pendor natural para atividades intelectuais, que se expressa na forma de produção literária e militância cultural de que temos vários exemplos. […]; e prossegue: o pai da macroeconomia, John Maynard Keynes (menção à coincidência da Sala), destacou-se como entusiástico incentivador das artes na Inglaterra das primeiras décadas do século XX […]”, e Celso Furtado, Mário Henrique Simonsen e Roberto Campos são exemplos entre os brasileiros.
Agora, um pouco da minha própria história:
Quando ingressei na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro (uma das primeiras escolas de economia do Brasil), em 1956, havia apenas cinco anos de reconhecimento da nossa profissão (Lei 1411/51). Lembro-me de que as lutas com esse objetivo foram intensas e lideradas, entre outros idealistas, por Reynaldo de Souza Gonçalves e Alberto Almada Rodrigues, dois dos meus ilustres professores. Era nosso diretor o professor, político e escritor Conde Cândido Mendes de Almeida Junior, descendente de tradicional família originária de Portugal, que chegou ao Brasil, em 1808, e estabeleceu-se em vários Estados, inclusive no Maranhão, em Caxias.
As lutas visando afirmação da nossa profissão foram intensas e exigiu muita persistência; entre 1956 e 1959, enquanto universitários, vivíamos um período florescente da economia brasileira e tudo levava a crer que teríamos um futuro altamente promissor pela frente. Logo depois as coisas mudaram bruscamente e tivemos que refazer nossos planos
Com a permissão de vocês, direi mais a meu respeito, sobre minhas origens, o que tenho feito como economista e escritor, e professor universitário; sobre o que penso, escrevo e tenho publicado, na imprensa de São Luís, artigos e crônicas sobre a conjuntura econômica brasileira e internacional, e o cotidiano das cidades.
Permaneci no Rio de Janeiro até 1965, já casado e onde nasceram meus dois primeiros filhos. Retornei ao Maranhão, em 1966, integrando-me ao setor público estadual e ajudando a fundar as primeiras escolas de nível superior, tornando-me economista da Secretaria de Viação e Obras Públicas e professor fundador titular da Escola de Administração Pública do Estado do Maranhão, ensinando Teoria Econômica; depois me transferi para a Universidade Federal do Maranhão, onde ensinei Economia Monetária e Mercado de Capitais, aposentando-me em 1997, todavia sentindo ainda muitas saudades desse tempo; momentos como os de agora, portanto, são profundamente emocionantes para mim.
No período de 1979 a 1887, integrei diretoria no sistema financeiro estadual e, nessa condição, em 1980, tive oportunidade de viajar aos Estados Unidos, para frequentar um Seminário sobre o mercado de capitais e financeiro realizado na Universidade de Nova York. Naquela oportunidade, visitando a Bolsa de Valores, a NYSE, perguntei a um expositor: você acha que a crise de 1929 poderá repetir-se? Ele respondeu que sim, mas que “haveria salvaguardas”. Agora, a partir da “crise da bolha” de 2008, penso ter entendido o que ele, intuitivamente, quis dizer.
Doravante, para qualificar nossa profissão, assuntos mais específicos e do interesse dos economistas.
Finda a Segunda Guerra Mundial, buscava-se uma nova ordem econômica; esse objetivo, quando o conflito acabou, foi concretizado predominantemente à custa da intervenção estatal no domínio econômico, o chamado “Estado do Bem-Estar Social”, sob a presidência de Franklin Delano Roosevelt. A célebre Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944, que culminou com a criação do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento-BIRD, o Banco Mundial, e do Fundo Monetário Internacional-FMI, fundamentou essa nova ordem (quando da Conferência, os EUA já eram “donos de 60% das reservas de ouro do mundo”).
John Maynard Keynes liderou e teve ampla influência em quase tudo que foi discutido naquela oportunidade; já àquela altura houve “argumentação insistente de países que pretendiam ter quotas maiores no capital do FMI, significando maior poder de voto”, como continua sendo reivindicado até os dias atuais. Aliás, a recente criação do banco dos emergentes, o banco dos BRICS, reafirma esse desejo e, no caso, a disponibilidade de um “colchão de reservas” em proveito próprio, para enfrentamento de resistência a possíveis novas crises.
As questões debatidas em Bretton Woods voltaram à baila desde a chamada “crise das hipotecas”, iniciada nos Estados Unidos, em 2007, e repercutida e ainda repercutindo na Europa, principalmente nos países da zona do euro (limitações da moeda única).
O excesso de liquidez (“quantitative easing”), que invadiu o mundo capitalista com trilhões de dólares, foi recentemente anunciado pelo Banco Central Europeu (“o único grande banco central que até agora tinha evitado embarcar em um afrouxamento quantitativo”), na Conferência de Jackson Hole, nos Estados Unidos, como uma das soluções à recuperação da eurozona.
Por ação dos próprios bancos centrais dos países desenvolvidos, mais as maciças emissões primárias da chamada dívida soberana, com recompras garantidas no mercado secundário de títulos, fez-me lembrar das “salvaguardas” que, segundo aquele expositor da NYSE, existiriam no futuro. Foi evitada uma “quebradeira” geral (de bancos que se tornaram “grandes demais para tanto”), mas os efeitos estão aí a impedir a retomada do crescimento e a diminuição do endividamento, e a regulação dos mecanismos financeiros (alavancagem dos bancos e seus instrumentos derivados.
Há uma verdadeira financeirização dos mercados e a microeconomia está perdendo seus pressupostos básicos, como a racionalidade do consumidor e a autossuficiência desses mercados. Além disso, avançam práticas da chamada “contabilidade criativa”, mascarando resultados.
Até meados dos anos 70, a igualdade Produto-Renda-Despesa refletia o equilíbrio. Nos tempos atuais, a moeda, como reserva de valor, de fato e de direito deixou de ser lastreada; a dívida pública soberana ultrapassou todos os limites em relação ao PIB; os bancos alavancaram além do seu patrimônio; surgiram os famosos derivativos e a financeirização passou a predominar entre os agentes econômicos.
A verdade é que o capitalismo financeiro desconhece o sistema produtivo e passa a existir apesar dele, contudo, moeda em circulação sem contrapartida de produto, gera inflação, e ela já está chegando aos países de economia reflexa, como o Brasil. A recuperação da economia dos países desenvolvidos, segundo os especialistas, trará reflexos negativos consideráveis na dos países emergentes.
O “quantitative easing” ou afrouxamento financeiro sendo adequado pelo “tapering” (menor oferta de dólares no mundo gerando repatriamento de capitais); como consequência, ao menos no curto prazo, além da desvalorização de moedas nacionais, menos investimento interno (reflexos no mercado de capitais), maiores custos de importação (exportações favorecidas, mas sem que a desvalorização das moedas respectivas provoque efeitos colaterais), níveis de inflação mais altos, aumento da taxa de juros;
O acúmulo de reservas. Em estimativas recentemente revistas inclusive pelo FMI e “experts” do mercado financeiro: Estados Unidos crescendo 2,2% este ano e 3,1% em 2015, com repercussões nas economias emergentes, mais aqui (no Brasil) e menos ali (na China e Índia); Zona do euro crescendo 0,8% este ano e 1,3%, em 2015; Brasil crescendo 0,3% este ano e 1,4%, em 2015; México crescendo 2,4% este ano e 3,5% em 2015, com México e Brasil respondendo por 60% da economia da região – AL.
A recuperação da economia mundial segue, portanto, potencialmente lenta e fraca, e desigual, tanto nas desenvolvidas quanto nas emergentes, agravada pelas crises políticas antigas e mais recentes.
Há ainda uma mudança nos destinos das exportações brasileiras, mais para os Estados Unidos e menos para a China: “aviões, produtos de ferro e aço […], máquinas e motores para os americanos; celulose, soja e café para os chineses”.
O Brasil sofre ainda os reflexos da crise americana principalmente depois da quebra do banco Lehman Brothers: fluxos e refluxos de capitais interferindo no câmbio; baixo investimento na formação de capital fixo; uso da política monetária aumentando a taxa de juros no combate à inflação; enfrentamento das expectativas desfavoráveis dos agentes de produção; baixa geração de superávits primários; expansão e contenção na política de crédito ao consumo; manutenção e retirada de incentivos fiscais à produção e ao consumo; insistência em programas sociais e de transferência de renda.
O país tem grandes reservas internacionais, mas há anos tem também uma inflação estrutural, ora de demanda, que volta a crescer; tem também um déficit externo elevado.
O que Keynes faria em 2014? Keynes foi partidário de programas intervencionistas liderados pelo poder público; políticas monetárias e fiscais para enfrentar os ciclos econômicos; níveis de renda afetando o nível de emprego; a taxa de juros como prêmio à liquidez.
Dirijo-me, mais uma vez e para finalizar, ao magnífico reitor da Universidade de Coimbra, professor doutor João Gabriel Silva; ao diretor da sua Faculdade de Economia, professor doutor José Joaquim Dinis Reis; também à sua vice-diretora professora Lina Coelho; à senhora Ana Serrano, chefe da Biblioteca Geral da UC, que deu sequência aos nossos contatos iniciais; aos professores e alunos aqui presentes e que prestigiaram este Evento.
Agradeço, mais uma vez, a todos em meu nome pessoal e pela deferência à Universidade Federal do Maranhão, na pessoa do magnífico reitor Natalino Salgado Filho; à Academia Caxiense de Letras e à Academia Ludovicense de Letras.
Muito obrigado a todos.

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