A “Praça da Bíblia”, do bairro Tresidela

Hoje, 30 de setembro, Dia da Bíblia, relembramos a praça caxiense que levava o nome do Livro Sagrado. Localizada na Av. Nossa Senhora de Nazaré, no bairro Tresidela (logo após a Ponte), a pequena praça fora inaugurada em 1968, durante a grande expansão urbanística realizada na primeira administração do prefeito Aluízio Lobo. De paisagismo simples, e com alguns bancos de concreto dispostos em sua extensão, o local recebeu o nome de “Praça da Bíblia”.

O nome decorre da construção de um monumento (muito provavelmente, idealizado e confeccionado por Mundico Santos) representando uma Bíblia aberta contendo citações bíblicas e as duas tábuas de Moisés com os Dez Mandamentos, além de um crucifixo na parte superior.

As escolhas das passagens bíblicas que foram transcritas em cada uma das duas páginas do monumento ficaram a cargo do então bispo de Caxias, Dom Luiz Gonzaga Marelim (representando a Igreja Católica), e do pastor da Igreja Presbiteriana, Silas Marques Serra (representando a Igreja Evangélica). No lado esquerdo estava escrito: “Bem-aventurado o homem que se compraz na lei do Senhor e nela medita de dia e de noite (Salmos 1:2)”.  E no lado direto: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo (Atos 16:31)”.

Na década de 1970, já no segundo mandato de Aluízio Lobo, a praça fora renomeada para “Praça Cônego Aderson Guimarães“, em homenagem ao pároco da Tresidela, falecido, precocemente, em 1970. Nessa alteração, o monumento sofreu algumas mudanças, sendo substituídas as escrituras (foram alteradas para: “Por isso me proclamarão bem-aventurada todas as gerações; Lc 1,48” ), bem como foram removidas as “tábuas” e pastilhas de revestimento.

Atualmente, apesar das ações do tempo e da falta de manutenção, o monumento ainda encontra-se instalado em seu local de origem, em precário estado de conservação.

P.S.: Em novembro de 2020, fora inaugurada uma nova Praça da Bíblia, em frete ao cemitério de Nossa Senhora dos Remédios. No local, fora instalada uma nova estrutura, de proporções maiores, exibindo uma Bíblia aberta.


Imagens: Ac. IHGC; Ac. Aluízio Lobo; Ac. do autor

Fontes de pesquisa: Depoimento de Francisco Guimarães; Livro: Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto/Ano: 2020

THE BATS – Quando a beatlemania chegou à Caxias

Sexta-feira, 28 de outubro de 1966. Noite de festa no Cassino Caxiense. Depois de vários dias de espera, era chegada a ansiada hora. Finalmente, os jovens caxienses estavam assistindo ao show da popular banda paulista The Clevers. Com cabelos caindo na testa, terninhos padronizados e “atitude rock ‘n roll”, os garotos eram muito prafrentex à uma Caxias habituada aos costumes mais tradicionais. Resumindo: a banda era o bicho! Mora?

O grupo foi contratado para tocar em um dia especial: a reabertura do C.R.C. (Clube Recreativo Caxiense; denominação que o Cassino passou a ter na década de 1960), que agora estava sob nova administração, e inauguraria, na oportunidade, o seu novo balcão-frigorífico. E como fora noticiado em um jornal do período, o Cassino “agora era dirigido por uma turma de jovens vontadosos“. Fazendo jus a alarmada jovialidade, nada melhor que reabrir as portas do clube com uma banda que estava na crista da onda.

E assim se dera. Ao som de músicas como “Não acreditei” (vídeo abaixo), os jovens dançavam e cantavam em coro. Diversão pura. Mas, além da simples diversão, para um grupo de seis amigos, fãs da banda, que assistiam maravilhados ao espetáculo, aquele show representava algo mais: uma possibilidade; um antigo desejo. O sonho era possível.

Quem eram esses jovens? Eram eles: Ribamar Palhano (Riba), Francisco Santos (Chico), Paulo Correa, José Carlos Santos (irmão de Francisco Santos), Gerardo Vidigal (Taqueira) e Alderico. Todos na faixa dos 20, 21 anos, vindos de famílias tradicionais de Caxias (Zé Carlos e Francisco são naturais de Barra do Corda).

Ainda estudantes do, antigamente, chamado “segundo grau científico” no Colégio Diocesano (nessa época, a instituição ainda era exclusiva para meninos), os garotos, na hora do intervalo, já sabiam para onde deveriam ir: a sala de instrumentos. Ali mesmo improvisavam um som. Paulo assumia os vocais; para ele a música não era de todo estranha, afinal, era sobrinho do professor de Música Adelmo Guimarães (irmão do pe. Aderson). Riba e Gerardo também tinham o gosto pela música correndo nas veias, tendo em vista que seu bisavô, Raimundo Ferreira Vilanova, havia tido uma orquestra. E os outros garotos possuíam já alguma intimidade com alguns instrumentos, pois tocavam nos desfiles cívicos de 7 de setembro, do colégio.

Mas os minutos de intervalo não eram suficientes, o que levava os garotos a se reunirem à Praça Gonçalves Dias. Para o instrumental, o violão de Paulo bastava. Cantando os sucessos da época, os jovens ficavam até altas horas da noite nos bancos da praça. Era a época de bandas como The Beatles e The Beach Boys, para citar as internacionais. No Brasil, o ritmo conhecido como “iê, iê, iê” logo chegou às paradas do rádio, e nomes da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ronnie Cord e Wanderleia, não saiam da boca dos mais jovens. E essas foram algumas das inspirações para o sexteto de amigos.

Aquele show do The Clevers atiçou ainda mais a antiga vontade de montar uma banda de rock. No ano seguinte, em 1967, o grupo deu vida à ideia e começou a se organizar. A divisão de instrumentos foi a seguinte: Paulo assumiria os vocais e guitarra-solo; José Carlos, guitarra-base e segunda voz; Chico, contrabaixo e voz; Riba e Taqueira, bateria (um tocava a primeira parte da festa, enquanto o outro fazia percussão; na segunda parte da festa, revezavam). Alderico (filho da professora Miroca), devido a restrições impostas pela família, não pôde participar do grupo.

E qual seria o nome da banda? “The Bats” (Os Morcegos, em tradução literal) foi o escolhido. Com um nome internacional, o nome dos integrantes deveria ser em inglês, pensaram. Agora, Riba era “Mike”; Chico, “Francis”; Paulo, “Paul”; Zé Carlos, “Charles”; e Gerardo, “Snake”.

E os instrumentos? Nada que um improviso não resolvesse. Para tanto, contaram com os serviços de Mário Beleza, tradicional músico caxiense que também exercia o ofício de marceneiro. Seguindo as ideias apresentadas pelos jovens, Mário, como podia, dava vida aos instrumentos, já que não tinha muita experiência no ofício de luthier. No início, nem tudo saiu como o planejado. Os primeiros instrumentos produzidos por Beleza logo apresentaram problemas em sua confecção, o que impossibilitava o uso. Após os erros iniciais, as falhas foram sendo ajustadas. Já para a elétrica dos aparelhos – parte responsável pela saída do som nos amplificadores -, os amigos contaram com a ajuda de um técnico em rádio de nome Felipe.

Contando com o total apoio do presidente do Cassino, Getúlio Silva (filho do casal Alderico e Dinir), o The Bats poderia ensaiar nas dependências do clube, bem como realizaria sua primeira apresentação no local. Após as devidas preparações, enfim o grupo fez a sua apresentação de estreia, em uma noite de Sábado, nas dependências do Cassino. Já saudosos dos The Clevers, os caxienses foram, em peso, prestigiar os jovens estreantes. No repertório, covers dos artistas de sucesso da época (músicas de “Renato e Seus Blue Caps” eram recorrentes). Com o sucesso do show, foi marcada uma segunda apresentação para o dia seguinte, a ser realizada na AABB (que ainda funcionava no centro da cidade).

Com o êxito do grupo, Getúlio Silva se comprometeu a adquirir novos instrumentos à banda, que viriam de Fortaleza. Em contrapartida, o The Bats faria apresentações no restaurante (extinto na década de 1970) do balneário Veneza, o qual o bar era arrendado ao Cassino Caxiense. E assim se dera. Todo o sábado à noite, show no Cassino; Domingo, pela manhã até uma 15h, show na Veneza. Cumprindo a promessa, algum tempo depois, com a presença do então prefeito de Caxias, Aluízio Lobo, os novos instrumentos foram entregues aos músicos.

Após alguns shows, o The Bats já era sucesso na cidade. Sendo que, ao final de uma dessas apresentações, um empresário artístico foi procurá-los, oferecendo os seus serviços. Ambas as partes de acordo, negócio fechado. Com a entrada desse empresário, as coisas ficaram mais profissionais. Primeiro que o agenciador venderia a banda como sendo de São Luis, o que, a seu ver, facilitaria a contratação por outras praças. E a estratégia parece que deu resultados, já que o que antes era restrito à Caxias e região, passou a incluir no roteiro diversas cidades do Piauí e Maranhão (como: Presidente Dutra, Barra do Corda, São Domingos etc.). A logomarca do grupo, caracterizada por um morcego, além de estar presente no bumbo da bateria, foi pintada na Kombi que rodava com o grupo em shows nas outras cidades.

Para mostrar que levavam o sonho à sério, o quinteto providenciou “uniformes” para os shows, tal qual os grupos da época; sendo, estes, confeccionados pelos próprios familiares. De estampas floridas à jaquetas similares as dos Beatles, a banda ousava. Ribamar foi além. Inspirado em uma capa de disco de Roberto Carlos, pediu ao irmão Antônio, sapateiro, que fizesse uma bota idêntica à do cantor.

A cabeleira do grupo causou estranhamento aos menos habituados, haja vista a nota humorada emitida em um jornal da cidade: “Acredito que para se tocar guitarra ou seja lá o que diacho for de nada servem os cabelos. Mas eles [o grupo The Bats] são donos deles e naturalmente não querem servir de peruca para ninguém…”

Em determinada ocasião, o Cassino contratou uma banda de grande sucesso do Rio de Janeiro chamada “Ivanildo e Seu Conjunto”. Mas, para a surpresa dos organizadores, nada saiu como o esperado. Logo que a banda começou a tocar os primeiros acordes, os “pés-de-ouro” (dançantes) começaram a reclamar. Queriam algo que balançasse mais o esqueleto, afinal, eram tempos de rock! Não teve jeito, dispensada a banda, os Bats foram contratados para substituir o conjunto.

Foram meses intensos de apresentações, o que proporcionou aos jovens, além de uma renda razoável, muita diversão. E como tudo que é o bom dura pouco, com o The Bats não foi diferente. Após oito meses de carreira, chegava ao fim o grupo. Mas o término já era meio que esperado.

Objetivando concluir as suas respectivas formações acadêmicas, os amigos tiveram que se separar, já que cada um rumou para uma cidade diferente. Dos cinco, apenas Riba continuou em Caxias, onde integrou por algum tempo o conjunto Os Naturais – depois, mudou-se para São Luis.

Como muitos conjuntos caxienses da época, o The Bats, infelizmente, não deixou nenhum tipo de registro fonográfico. 

Hoje, mais de cinquenta anos após o encerramento do The Bats, muitos caxienses são saudosistas ao lembrar da banda. Já setentões, cada um dos cinco integrantes do grupo, atualmente vive em cidades diferentes do Brasil. Ao que se sabe, nenhum deu prosseguimento à carreira musical, e nunca mais reuniram-se após o fim da banda. Uma reunião já foi tentada pelos organizadores da tradicional festa da “Velha Guarda Caxiense”. Contudo, segundo Ribamar Palhano (quem eu entrevistei para essa matéria), o reencontro é improvável, não sendo possível por questões logísticas e pessoais de cada integrante. Torçamos para que, um dia, esse reencontro aconteça, nem que seja one night only!


Fontes de pesquisa: Depoimento cedido, gentilmente, por Ribamar Palhano; Livro “Cartografias Invisíveis”/Capítulo de autoria de Nonato Ressurreição; Jornal “Folha de Caxias”

Imagens da publicação: Créditos nas imagens

A História do Calçadão (Rua Afonso Cunha)

Com sua história remontando, provavelmente, ao século XVIII, esta rua foi inicialmente nomeada de Rua Augusta. É durante o século XIX, quando o comércio migra da região portuária da Rua do Porto Grande (atual Anísio Chaves) e vem para o centro, que a então Rua Augusta passa a ser uma estratégica e importante via comercial; onde, objetivando atender a uma clientela mais exigente e abonada, ali instalaram-se diversas lojas que comercializavam produtos vindos da Europa.

Ligando os largos da Matriz e do Poço (atual praça Gonçalves Dias), a rua supracitada sempre foi muito movimentada, não só por transeuntes, como também por inúmeros animais de carga. Apesar de legalmente previsto anos antes, é apenas por volta de 1866 que a via recebe a iluminação de alguns lampiões a óleo.


A então Rua Dias Carneiro em fotografia de 1920. Ao fundo, o largo da Matriz.

Em 1896, com o falecimento do industrial Francisco Dias Carneiro, a Câmara de Caxias alterou, em sua homenagem, o nome da via para Rua Dias Carneiro. Nome, esse, que permaneceu por mais de 50 anos, mais precisamente até o ano de 1948, quando o então prefeito da cidade, Eugênio Barros, alterou o seu nome para Afonso Cunha, em homenagem a este ilustre caxiense falecido no ano anterior.


Rua Afonso Cunha em fotografia de 1950. Ao fundo, a praça Gonçalves Dias.

Essa rua, até o início do século XX, não possuía calçamento. Até que, entre 1900 e 1910, recebeu calçamento em pedra bruta. No início da década de 1930, durante a administração do prefeito Alcindo Guimarães, as pedras foram substituídas por paralelepípedos que perduraram até 1937.

Na década de 1960, na esquina que faz ligação com a Rua Coelho Neto, é que começam a se instalar barracas de frutas, sendo essa mudança bastante criticada. Dentre tantas, uma das reclamações afirmava que, em pouco tempo, a via iria se tornar um mercado a céu aberto, vendendo, inclusive, animais abatidos. Apesar da insatisfação popular, nada foi feito. Com o passar dos anos, cada vez mais e mais barracas foram se instalando no meio da via; passando, assim, a competir e dividir espaço com os lojistas e residências que a circundavam.


A via vista a partir da esquina com a Rua Coelho Neto; local onde, nessa época, começaram a instalar-se as primeiras barracas de frutas. Fotografia da década de 1960.

Com o aumento constante do número de barracas, o trânsito de veículos e pedestres começou a dificultar-se. Transformar a rua exclusiva para o comércio passou a ser um sonho dos lojistas. Até que, em 1989, o prefeito Sebastião Lopes atendeu os pedidos e fechou a rua. Em agosto daquele ano iniciaram-se as obras de drenagem da via, a pavimentação em pedras portuguesas, bem como a instalação de bancos e paisagismo. Após a ampla reforma, a Rua Afonso Cunha passa a ser conhecida popularmente como Calçadão.


Bancos instalados após a grande reforma da rua. Imagem do ano de 1995.

Mesmo após a reforma, muitas barracas voltaram a se instalar na rua. Além disso, os lojistas do ramo de tecidos colocavam os seus produtos expostos no meio da via. Dificultando mais uma vez o trânsito da população. E assim, no fim da década de 1990, a Administração Pública percebeu que os jardins e os bancos, unidos ao aumento dos camelôs, mais atrapalhavam que ajudavam. Dessa forma, foi providenciada a demolição de suas estruturas, o que, consequentemente, aumentou o número de ambulantes.


Lojistas colocavam os seus produtos em exposição no meio da via. Imagem de 1995.

Até a produção desta matéria, estão em curso as obras do shopping popular na Avenida Otávio Passos; onde, segundo o Poder Público, serão realocados os ambulantes da Rua Afonso Cunha. Descongestionando, dessa forma, o histórico logradouro.


Fonte de pesquisa: Livro Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto

Imagens da Publicação: Internet; Álbum do Maranhão de 1950; Acervo de Aluízio Lobo; Reprodução TV Paraíso.

Restauração e Colorização: Brunno G. Couto

Antes e Depois do Cassino Caxiense

Pouco mais de 50 anos separam as duas imagens. Arraste a bolinha central para os lados e veja o antes e depois.


Imagens da publicação: Acervo do IBGE; Acervo de Brunno G. Couto