A história do Cine-Rex, o cinema mais longevo de Caxias

Texto de Brunno G. Couto

O memorável Cine-Rex fora fundado em Caxias no dia 28 de setembro de 1935, e teve como primeira instalação um prédio localizado na Praça Gonçalves Dias, de esquina, em diagonal com o imóvel onde, atualmente, funciona o Banco Bradesco. Não se sabe ao certo se o Cine-Rex fazia parte de uma rede nacional de cinemas, já que, em outros cidades, existiam salas de cinema com o mesmo nome – a exemplo de São Luis, Rio de Janeiro e Teresina. Ressaltando-se que, o Cine-Rex, de Caxias, é mais antigo que o da capital piauiense, que fora fundado em 29 de novembro de 1939.

Pouco tempo após sua criação em Caxias, o seu proprietário, Pedro Costa, resolveu fechá-lo, em virtude das dificuldades de conseguir bons filmes, nas cidades de Teresina e São Luis. As sessões, duas vezes por semana, dias de quarta-feira e de domingo, eram pouco frequentadas e o negócio, como negócio, cada vez mais se tornava precário.

Vendo a difícil situação, o empresário Antônio Martins Filho resolve arrendar o Cine-Rex; que passa a funcionar sob sua responsabilidade. Como primeira medida, muda o cinema de prédio, transferindo-o à Rua Aarão Reis, em um imóvel alugado (onde, anos depois, funcionou a agência do extinto Banco Bamerindus). Por sorte, Martins conseguiu bons filmes, preto e branco, o que provocou um aumento no número de espectadores.

O imóvel de cor laranja e amarelo foi a segunda instalação do Cine-Rex, à Rua Aarão Reis. O cinema funcionou nesse local até o ano de 1939, quando deslocou-se para a Rua Afonso Cunha. Ano da imagem: 2012.

Mas, essa situação durou pouco e logo Martins Filho resolveu passar o negócio para frente, já que não vinha lhe trazendo lucros, bem como atrapalhava os seus outros negócios comerciais. Dessa forma, passa o estabelecimento para o primo de sua mulher, o cirurgião-dentista caxiense Manoel Joaquim de Carvalho Neto, para que este assumisse a responsabilidade pelo restante de seu contrato de arrendamento. E é sob a direção de Carvalho Neto que o cinema começa a prosperar.

De sucesso imediato, os preços dos ingressos do novo cinema, em 1935, tinham o valor máximo de 2.000 réis (para os operários das fábricas locais, era cobrado o valor especial de 1.000 réis) . No ano seguinte, em 1936, a Assembleia Legislativa do Estado publicou no Diário Oficial: “Decretando e promulgando a lei que isenta de impostos de indústria e profissão, pelo prazo 10 anos, a Empresa Cinematográfica Falada ‘Cine-Rex’, de Caxias”. O destaque para o “Falada” se dava pelo fato de o som ter chegado ao cinema há menos de dez anos da data da publicação (foi implementado em 1927, com o filme “O Cantor de Jazz”).


Cine-Rex no dia da inauguração de sua sede à Rua Afonso Cunha.

Passados alguns anos em funcionamento à Rua Aarão Reis, Carvalho Neto decide transferir o seu cinema para um prédio próprio localizado na Rua Afonso Cunha (Calçadão). O imóvel, de arquitetura Art Decó, fora inaugurado em 28 de setembro de 1939. Contando com a presença de centenas de caxienses, a sessão inaugural exibiu o filme Rose Marie, de 1936, com os astros  Jeanette MacDonald e Nelson Eddy.

O novo prédio tinha cinco portas pantográficas, sendo que, na central localizava-se a bilheteria. Em sua sala de espera, encimando a parede, haviam retratos pintados dos astros da época, como Gary Cooper, Errol Flynn, Diana Durbim e Lana Turner. Com um total de 524 cadeiras, divididas por três fileiras (oito centrais e quatro laterais), o Rex tinha a sua tela posicionada em sentido contrário à sua entrada.

Logo abaixo de sua marquise, o Cine-Rex anunciava, em cavaletes, os cartazes dos filmes em exibição; bem como na esquina da Rua Afonso Cunha. Em uma era pré-trailers, o Rex colocava em sua antessala um quadro de cortiça exibindo lobby cards, em preto e branco, contendo algumas cenas dos filmes, para que, assim, o público tivesse uma noção maior do que iria assistir. As cadeiras, em madeira, eram reclináveis. A sala contava também com alguns ventiladores estrategicamente posicionados, mas que nem sempre amenizavam o calor inclemente de Caxias.

Alunos observam o cartaz posicionado na Praça Gonçalves Dias (à esquerda). Outros observam o cartaz, do Rex, do filme “Durango Kid – Barranco da Morte”, na esquina da Rua Afonso Cunha. Imagem da década de 1950.

Em seus primeiros anos, mais precisamente na segunda metade da década de 1940, o Cine-Rex sofria com o precário fornecimento de energia elétrica, que acabava prejudicando as sessões vesperais de Domingo. Ocorre que, nessa época, Caxias dispunha de luz das 18h até meia noite – um apito avisava o início e o fim da claridade. As caldeiras a vapor da Usina Dias Carneiro não aguentavam o dia todo e seus operários procuravam fazer um esforço adicional nas tardes de domingo, para alegria dos adeptos da sétima arte. Relembrando os tempos de criança, quem nos conta sobre essa passagem é o caxiense Antônio Augusto Ribeiro Brandão: ”

[Domingo] Depois do almoço, lá pelas duas horas da tarde, lá íamos nós em direção à Usina, a fim de incentivarmos os operários já empenhados, desde o meio-dia, na ‘alimentação’ das caldeiras, que precisavam de certo nível de pressão à custa de muita lenha e carvão. 

Essa operação levava tempo e podia fracassar, pois nem sempre os motores funcionavam na primeira tentativa de liberação dessa pressão a vapor. E aí, se tal acontecesse, tudo tinha de começar de novo e a vesperal daquele dia certamente ficaria para o próximo domingo, e ninguém suportava mais esperar para ver o resultado da célebre frase “voltem na próxima semana” exibida no seriado. 

Para que os motores funcionassem da primeira vez, contudo, também valia a torcida: aqueles garotos vidrados em cinema ficavam postados literalmente na ‘boca’ da caldeira, quase que encarnados nos homens suarentos pelo esforço de cada vez mais lenha e carvão. E tome pressão, e todos de olho no seu medidor; quando começava a chiar, acusando nível suficiente, era hora de transferir essa pressão para as engrenagens do motor, que havia de gerar a tão esperada luz. 

Na medida em que o vapor da caldeira ia sendo liberado, as correias começavam a deslizar e ir-e-vir pelas grandes rodas do motor, que dava seus primeiros sinais de vida e aos poucos ia acelerando seus movimentos, cada vez mais rápidos até que atingisse o nível adequado à geração da tão esperada luz. Às vezes todo esse esforço era em vão e o motor não conseguia ‘pegar’, e o processo deveria ser repetido; mas quando tudo dava certo, as palmas e os gritos ensurdecedores daquela torcida ensandecida saudavam as lâmpadas que se acendiam, em uma luminosidade cada vez mais forte. 

A seguir, em desabalada carreira, depois daquela enorme conjugação positiva de pensamentos e ações, tomávamos o rumo do cinema, anunciando a boa nova pelo caminho: chegou a luz! Depois, já acomodados nas poltronas de madeira e, de preferência, próximos a um dos ventiladores, suados e exaustos, dali em diante estaríamos atentos à telinha mágica, para aplaudir a vesperal daquele domingo. 

E assim que o prefixo musical começava a tocar, um famoso ‘dobrado’ dos tempos da Guerra, e as luzes iam diminuindo de intensidade até se apagarem por completo, todos gritavam como se fossem participar do maior espetáculo da terra.

Na década de 1940, o Cine-Rex rivalizava com o Cine-Pax, de Valdenor Lobo, que funcionava no antigo prédio do Rex à Rua Aarão Reis. E, diferentemente do Rex que priorizava os faroestes (como os seriados do cowboy Wild Bill Elliott) e musicais, o Pax dava preferência às comédias românticas.

“Às terças-feiras era o grande dia da ‘Sessão das Moças’, no Rex, um famoso apelo aos jovens da cidade e seus amores, que adentravam a sala de exibições à vista dos que já estavam sentados. Um verdadeiro desfile de modas!” relembra Brandão.

Com o tempo, as latas com as películas passaram a vir, em sua maioria, do Cine-Rex, de Teresina, que, objetivando baratear os custos, as buscava em Recife (PE) – capital que realizava a distribuição de todo o Nordeste -, e redistribuía para as cidades do interior do Maranhão e Piauí. Contudo, esse procedimento não era de todo benéfico, tendo em vista que as películas, exibidas diversas vezes em Teresina antes de aportar na princesa do sertão, acabavam muitas vezes chegando comprometidas, nos quesitos de som e imagem, devido ao uso excessivo.

Após suas estreias nos EUA, os filmes demoravam geralmente um ano para chegar ao Brasil. Isso para as grandes capitais. Nas cidades do interior, esse tempo era mais longo. 

As salas contavam com dois projetores à carvão que aos poucos era consumido. A necessidade de dois projetores, se dava pelo fato de que, no começo, a projeção em cada máquina estava restrita a 20 minutos, que era o tempo de consumo do carvão. Após esse tempo, o projecionista realizava a projeção na segunda máquina, enquanto era realizada a troca do carvão da outra. Os espectadores mais atentos conseguiam notar uma bolinha que aparecia piscando no canto da tela, sinal feito na película (muitas vezes, feito com a ponta do cigarro) pelo projecionista, que indicava o momento da troca de projetor. Contudo, nem sempre o projecionista estava 100% atento, o que acabava deixando a tela branca por alguns minutos, gerando uma gritaria e batida de pés do público na sala de exibição. Os gritos de “quero meu ingresso de volta!” não eram poupados.

Além dos longas-metragens, por volta das décadas de 1940 e 50 também eram muito populares os chamados “seriados” (exibidos após os filmes), que nada mais eram que versões arcaicas, geralmente de 15 episódios, das séries de televisão como conhecemos atualmente. Contudo, havia uma “pequena” diferença. Quando o episódio atingia o seu clímax – geralmente, quando onde o herói estava em alguma situação de perigo – , aparecia a seguinte mensagem na tela: “Não perca o próximo episódio. Semana que vem, neste cinema”. Se o espectador quisesse acompanhar o desenrolar da trama, deveria, nas semanas seguintes, desembolsar os valores dos demais ingressos. Em Caxias, um dos seriados mais famosos foi A Legião do Zorro, lançado originalmente em 1939; tinha 12 episódios. Para os mais curiosos, segue, abaixo, o primeiro episódio dessa cine-série:

No início da década de 1960, o Rex ainda sofria com problemas de fornecimento de energia elétrica. Talvez esse seja o motivo que o levou a funcionar, por um curto período, à Rua Afonso Pena. Em seu material publicitário o cinema passou a emitir o seguinte aviso: “A Empresa avisa que as sessões com intervalos são motivadas pela energia insuficiente para ligar as duas máquinas de projeção”. Em 26/09/1962, saiu uma nota no jornal “Nossa Terra” acerca do assunto: “Voltará a funcionar em breve essa casa diversional [Cine-Rex], com energia própria, segundo nos informou, em palestra, o seu proprietário. Dr. Carvalho Neto, já em entendimento com a praça de Recife para aquisição do material apropriado.”

Filmes como Du Barry Was a Lady (1943), Candelabro Italiano (1962), A Noviça Rebelde (1965), Spartacus (1960) e Dio, come ti amo! (1966) fizeram grande sucesso na sala do Rex. As belas estrelas do cinema italiano, a exemplo de Sophia Loren, arrebataram os corações dos adolescentes daquela época. Os clássicos bangue-bangues, bem como os filmes de kung-fu também eram a sensação. Para as crianças, haviam os desenhos (a grande maioria, dos estúdios Disney). Ao que se sabe, as películas eram, majoritariamente, dubladas.

Possivelmente, o período de maior popularidade do Cine-Rex tenha sido nas décadas de 1960 e 70. Ao menos, são os anos que mais permeiam a memória dos caxienses mais saudosistas. É por volta dessa época que começam a surgir os seus funcionários mais lembrados: Dona Maria Amélia, na bilheteria; Francisco Carvalho (Chico do Cinema), na portaria; Natan, na projeção; Alicate, recolhendo os bilhetes e colocando os cartazes dos filmes; dentre outros, cujo os nomes não foi possível lembrar.

“Havia um momento chamado de ‘a hora dos miseráveis’: próximo ao fim do filme, o Chico liberava e permitia a entrada dos que ficavam ali à espera” relembra Edimilson Sanches. À porta do cinema, ficava um senhor vendendo deliciosas balas de frutas aos espectadores. Na sala de exibição, também passava um jovem com um tabuleiro preso ao pescoço vendendo mais guloseimas. As balas de hortelã Mentex e Pipper eram as favoritas dos jovens.

Nesse período, os filmes ficavam em cartaz, geralmente, por dois dias (dependendo da receptividade ficavam até por, no máximo, uma semana), em sessões de 18:30 e 20:30. No Domingo, havia o matinal, de 10h às 12h; a vesperal, de 16h às 18h; e as sessões normais de 18:30 e 20:30. 

Quinta-feira era o dia de esteia de novos filmes, que ficavam em cartaz até a segunda, quando era realizada a renovação do catálogo.

Devido a sua grande quantidade de poltronas, bem como em virtude de seu palco, o Rex, além de cinema, também servia como o espaço de reunião do Centro Cultural Coelho Neto, uma sociedade que reunia diversos intelectuais caxienses. Além disso, muitos artistas locais e nacionais realizaram apresentações musicais em suas dependências.

Programação do Cine-Rex publicada no jornal Nossa Terra, no ano de 1961

Em 1967, o Armazém Paraíba chega a Caxias, e, para a sua instalação, adquiri os imóveis contíguos ao Cine-Rex. A empresa chegou, inclusive, a fazer ações em que realizava sessões gratuitas no Rex (imagem abaixo). Passados alguns anos, em novembro de 1980, visando uma expansão futura de sua filial, adquiri o imóvel do Cine-Rex, junto ao empresário Carvalho Neto. Destarte, o Rex passou a ser propriedade do empresário piauiense João Claudino Fernandes, que deu continuidade ao cinema – ainda que o ramo cinematográfico não fosse de seu interesse.

Ação do Armazém Paraíba junto ao Cine-Rex, no ano de 1973.

Até que, em maio de 1981, o Paraíba começa a expandir a suas instalações, e emite o aviso de que no prédio do Cine-Rex passará a funcionar a sua loja de móveis usados. O comunicado gerou grande comoção em Caxias, já que a cidade ficaria sem cinema. Contudo, o Armazém Paraíba logo informou que todo o maquinário e mobília do Rex estavam sendo vendidos para os srs. Santino Caldas Moreira e Sebastião Ferreira da Silva, que fundariam um novo cinema nas instalações do Palácio do Comércio (onde, anteriormente, havia funcionado o Cine-Glória).

E assim fora feito, no dia 11 de julho de 1981 era inaugurado o Cine-Alvorada, que contava com 400 cadeiras e 10 ventiladores, sendo “Alien – O Oitavo Passageiro” a película de estreia.

Dessa forma, com a demolição de sua estrutura, chegava ao fim inesquecível Cine-Rex, após mais de quarenta anos de história. Sendo, até hoje, o cinema mais longevo de Caxias.


Fontes de pesquisa: Depoimentos de Sebastiana Guimarães; Antônio Augusto Brandão; Joaquim Vilanova Assunção; João Oliveira; Nonato Ressurreição; Jornal O Imparcial; Jornal Cruzeiro; Jornal O Pioneiro; Jornal Nossa Terra; Livro Cartografias Invisíveis/Vários Autores; Site de Eziquio Barros Neto; Canal do YouTube de Marden Machado

Imagens da publicação: Internet; Google Maps; Jornal O Cruzeiro; Ac. IBGE; Facebook; Jornal Nossa Terra; Jornal O Pioneiro; Ac. de Silas Marques Jr.

Restauração e Design de imagens: Brunno G. Couto