O antigo desejo de um memorial dedicado à Gonçalves Dias #GD200


Em 2023 – mais precisamente, no dia 10 de agosto -, comemora-se 200 anos do nascimento de Antônio Gonçalves Dias. Em virtude de tamanha efeméride, durante este ano, o Arquivo Caxias fará postagens dedicadas a este ilustre filho de nossa terra. Para iniciar essa série, trago a transcrição desta matéria publicada no periódico “Diário de São Luiz do Maranhão”, em 28/04/1945, de autoria de Gentil Silva.

Gentil Homem da Silva Brasil foi prefeito de Caxias por um curto período, entre agosto e setembro de 1941. Seu governo foi tipicamente de transição, enquanto as coisas da política municipal tentavam se acomodar. Em seu texto, que veremos abaixo, o político já chamava atenção para o desprestígio que Caxias conferia ao poeta. Clamando, na oportunidade, após ouvir conselhos de um cidadão caxiense, que fosse criado um museu em sua memória, bem como que fosse reconstruída a fazenda que o poeta nasceu, nas matas do Jatobá.

Infelizmente, como sabemos, nenhum dos projetos foi concretizado até hoje, quase 80 depois! Vale lembrar que, à época da produção do referido texto, a residência a qual Gonçalves Dias cresceu, no centro da cidade, ainda se encontrava de pé; hoje, nem isso…

Segue a integra do texto:

A Casa de Gonçalves Dias

Prefeito municipal de emergência, em Caxias e coincidindo o meu curto período administrativo com a passagem da data do nascimento do maior lírico brasileiro e indianista americano, sentia-me no dever de encabeçar festejos comemorativos do dia 10 de agosto, o que de fato fiz, alma transbordante de satisfação, mau grado as próprias deficiências para ocupar-me do genial e iluminado cantor dos “Timbiras”.

Dispersava-se, a mocidade que acorrera, mais uma vez, às consagrações públicas anualmente tributadas à memória do imortal enamorado da natureza brasílica.

A comissão de festejos, agrupada ainda no local das comemorações, entretém-se em comentários ao êxito da iniciativa, desta como doutras vezes vitoriosa.

Nessa altura, aproxima-se dos presentes respeitável ancião, cabeça alva e descoberta. Era o velho fazendeiro Joaquim Rosa, um dos que acabavam de ouvir discurso e declamações e, algo emocionado, bem se o percebia, pelo numeroso coro de vozes infantis no entoar de vozes infantis da inigualável “Canção do Exílio”, dirige-se ao prefeito:

– Festa bonita, seu coronel…

“Coronel”, sim, porque para o habitante rural do Norte, as autoridades superiores do município, quando não adoutoradas em qualquer coisa ou ramo, tem que fruir ex-ofício, ou compulsoriamente, das vantagens honoríficas que eram concedidas aos antigos oficiais da extinta Guarda Nacional, de saudosa recordação, variando o “posto” segundo a ordem hierárquica e as aparências, no conceito roceiro.

– Eu sabia – continuou Joaquim Rosa – que esta festa ia realizar-se e vim à cidade para assisti-la.

Todos enalteceram a demonstração cívica de Joaquim Rosa que, animado, prosseguiu:

– Se todos os caxienses tivessem a noção exata desta legítima glória, – e apontou a modesta herma do autor do “Y Juca Pirama”, – a sua glorificação não ficaria somente nas homenagens…

E, Joaquim Rosa, reacender com vivacidade o cachimbo sarrento e tirar-se grossa baforada, continuou:

– É isso, e digo com firmeza e convicção. Conheço a obra maior dos poetas brasileiros. Os seus livros eu os adquiri na livraria Laemmert, do Rio de Janeiro, em 1896, por intermédio do meu compadre Trindade Vidigal.

Disse-nos ainda Joaquim Rosa que sabia de cor, além da “Canção do Exílio”, o “Canto do Piaga”, “Tabyra”, “Y Juca Pirama”, “Lenda de São Gonçalo” e outras poesias do grande mestiço brasileiro e as recitava aos netinhos nos serões da família.

– O senhor sabe onde moro?

Como a pergunta fosse para mim, respondi que não poderia atinar. Os meus companheiros entreolharam-se significativamente.

– No 2º Distrito, coronel, pertinho do Jatobá.

Matas do Jatobá, latifundiárias da antiga fazenda do mesmo nome, berço do grande vate americanista.

***

Ao anoitecer daquela mesma data, recebo a agradável visita de Joaquim Rosa, cuja identidade patriarcal, laborioso e honesta me fora revelada pelos meus companheiros de comissão.

Conversamos novamente sobre a vida de Gonçalves Dias, que ele conhece bem. Do mesmo modo conhece o local onde existira a mansão nata do poeta. Lá estão os sinais evidentes da fazenda. O escalvado branco e duro do terreiro; as palmeiras centenárias mais além, cercadas de suas múltiplas descendentes e onde a copa verdejante tecem os seus ninhos os sabiás também imortalizados pelo exímio cantor das selvas.

E dos parentes de Gonçalves Dias, sabe alguma coisa?

– Sim, de alguns tios, primos e sobrinhos, em terceiro grau, talvez; gente muito simples e pobre.

A seguir, Joaquim Rosa volta a aludir aos festejos da tarde. Repetiu, insistindo com certa veemência, que os caxienses poderiam concretizar essas homenagens anuais numa obra que recordasse mais ao vivo e permanentemente, a existência privilegiada do grande Aedo.

A uma pergunta sobre a glorificação imaginada pelo interlocutor, este responde com naturalidade:

– Não erguem-se templos aos taumaturgos?

Compreendi o que o velho sertanejo tentava formular uma analogia de cultos. E, para logo veio-me a lembrança do pavilhão envidraçado que o civismo bandeirante fez construir sobre o rancho de tábuas e zinco, onde Euclides da Cunha escrevera a epopeia de “Os Sertões”. Recordei-me também num instante, a “Casa de Ruy Barbosa”, onde os visitantes se emocionam ante a visão eterna do grande brasileiro.

Joaquim Rosa tem razão.

Porque não adquirir-se a propriedade do Jatobá, reconstituindo-se ali a casa de nascimento do poeta, como lembrança afetuosa e terno do autor das “Sextilhas de Frei Antão”?

A sugestão parece-me das mais aproveitáveis em virtude não somente do desenvolvimento espiritual que nos vai conduzindo a melhor e mais elevada compreensão estética, mas, também, encarado o assunto, se o quiserem, pelo seu lado realístico e utilitário.

É velha e justa a aspiração dos caxienses, o aproveitamento científico e industrial das águas termais de Veneza. Realizado que seja, esse importante empreendimento, poderiam concomitantemente concluídos os trabalhos de reconstituição do Jatobá a qual, de certo converter-se-ia num ponto obrigatório de turismo, atraindo ao velho município sertanejo, berço de tantas outras glórias nacionais, as elites da intelectualidade e da abastança brasileiras.

Então, poderá ser ali apreciado o ambiente simples e sugestivo da antiga mansão rural onde Gonçalves Dias abriu os olhos pela primeira vez, deu os primeiros passos e impregnou a alma juvenil da radiosa claridade de infinitos horizontes, do sonoro rumor das suas florestas, da música sutil e encantada dos passarinhos e do verdor mágico das várzeas acolhedoras.

Foi ali, entre tímido e contente das palmeiras, ainda pequeno, recebeu as impressões sadias, fortes e indeléveis das danças indígenas, ao ritmo das tabas e maracás.

Foi ainda lá, nas noites enluaradas que ele ouviu a história misteriosa dos “Piágas”, das lutas de tribos guerreiras, dos amores e conquista que serviram de motivo à sua futura e monumental obra de brasilidade que o mundo tanto enaltece e admira.

Poder-se-á organizar o Museu Gonçalviano, em ambiente apropriado, arrecadados os seus manuscritos e todas as demais relíquias que possam recordar a pessoa e a obra imortal americanista.

Trazendo à letra de forma o pensamento de Joaquim Rosa, estou que nenhum maranhense deixará de o aplaudir com calor.

Gentil Silva

Os antigos coretos da “praça do Panteon”

Primeiro, a banda passou
Tocando Coisas de Amor
Depois cantaram A Praça
Em rimas cheias de graça

Mas ninguém se lembrou
Do Coreto da Pracinha
Onde sempre tocava
A garbosa bandinha

Nada mais adequado do que iniciar a postagem de hoje com algumas estrofes da música “O Coreto da Pracinha”, de Luiz Gonzaga. Canção que retrata tão bem os tempos românticos que foram os dos coretos das cidades do interior. Os mais jovens podem estar se perguntando: “Mas o que são esses coretos?”. Sim, nobre leitor, algumas gerações desconhecem o termo, acredite!

Correndo o risco de o texto ficar “professoral” demais, responderei o questionamento acima com esta breve explicação: “O Coreto é uma construção que ainda observamos nas cidades interioranas que conseguiram preservar esse elemento urbanístico que teve grande importância até o fim da década de 1960. Ele guarda o romantismo do tempo em que as praças eram o ponto central dos eventos da sociedade. Sua arquitetura básica é composta de planta circular, elevado em alvenaria e com cobertura. […] Esse espaço democrático se espalhou por toda a Europa e, em vários países, tinha significados distintos: na Itália ‘coretto’ significava local de vendas de tabaco, bebidas e jornais; na Inglaterra ‘bandstand’; na França ‘kiosque a musique’; e na Espanha ‘quiosco de musica’ significava local de apresentação de bandas musicais.” (Fonte: Site “Cidade e Cultura”)

Certo, mas onde Caxias entra nessa história? É na década de 1960 – ao menos, que se tem notícia -, seguindo os moldes de outras cidades, que Caxias recebe os seus primeiros e mais populares coretos. Logo que tomou posse, em 1966, o prefeito Aluízio Lobo tinha como uma de suas principais metas realizar o paisagismo da praça Dias Carneiro (popular “Panteon”), que, até então, se limitava a um grande descampado de grama e piçarra, repleto de árvores.

O projeto da praça ficara a cargo do artista caxiense Mundico Santos, e dentro desse projeto fora idealizada a construção de dois coretos. E assim se dera. Estando, estes, posicionados no lado em direção da Av. Desembargador Morato, as edificações eram feitas em cobogós, contando com uma pequena rampa de acesso. Os coretos de Caxias diferenciavam-se dos de outras cidades, pois não possuíam uma cobertura em suas estruturas.

Não obstante os coretos terem sidos pensados (e muitas vezes foram utilizados, de fato, para esse propósito) para servirem como palanques à discursos e outras solenidades oficiais do governo municipal; em dias comuns, a maioria dos caxienses utilizava-os para bater um papo mais privativo ou para rápidas paqueras. Sentados ou encostados em suas muretas, muita conversa foi jogada fora naqueles locais.

Quando dos desfiles de 7 de Setembro, alguns populares, em especial crianças, utilizavam as baixas muretas das edificações como arquibancada. Além disso, escolhia-se os coretos pela sua praticidade, já que os altos palanques demoravam a serem montados. Como mostra a fotografia abaixo, o próprio Governador Sarney, que fazia visitas recorrentes à Caxias, chegou a utilizar um dos coretos como tribuna.

Com o passar dos anos, as pessoas foram perdendo o costume de ir às praças e, por conseguinte, frequentar os coretos – muito por conta do aumento da violência urbana -, bem como a sua utilização para fins oficiais da administração municipal fora diminuindo. Contudo, as duas estruturas permaneceram intactas até a década de 90, quando, no governo de Paulo Marinho (1993/1996), a praça passou por uma nova remodelação, tendo sido demolidos os dois coretos, uma pequena arquibancada de três níveis e um antigo monumento central.

E assim, sem coretos, Caxias permaneceu por mais de vinte anos, até que, com a reforma da praça Vespasiano Ramos, a cidade recebeu uma nova estrutura. Longe da beleza arquitetônica dos antigos exemplares, o novo coreto, de características mais modestas, vem cumprindo, através da semanal “Feirinha da Gente”, a sua finalidade; resgatando um pouco – apesar de sermos sabedores que os tempos não são mais os mesmos -, o que fora a bucólica Caxias de outrora.


Fontes de pesquisa: Site “Cidade e Cultura”/Livro “Por Ruas e Becos de Caxias”/Autor: Eziquio Barros Neto

Imagens da publicação: créditos nas imagens

A “Praça da Bíblia”, do bairro Tresidela

Hoje, 30 de setembro, Dia da Bíblia, relembramos a praça caxiense que levava o nome do Livro Sagrado. Localizada na Av. Nossa Senhora de Nazaré, no bairro Tresidela (logo após a Ponte), a pequena praça fora inaugurada em 1968, durante a grande expansão urbanística realizada na primeira administração do prefeito Aluízio Lobo. De paisagismo simples, e com alguns bancos de concreto dispostos em sua extensão, o local recebeu o nome de “Praça da Bíblia”.

O nome decorre da construção de um monumento (muito provavelmente, idealizado e confeccionado por Mundico Santos) representando uma Bíblia aberta contendo citações bíblicas e as duas tábuas de Moisés com os Dez Mandamentos, além de um crucifixo na parte superior.

As escolhas das passagens bíblicas que foram transcritas em cada uma das duas páginas do monumento ficaram a cargo do então bispo de Caxias, Dom Luiz Gonzaga Marelim (representando a Igreja Católica), e do pastor da Igreja Presbiteriana, Silas Marques Serra (representando a Igreja Evangélica). No lado esquerdo estava escrito: “Bem-aventurado o homem que se compraz na lei do Senhor e nela medita de dia e de noite (Salmos 1:2)”.  E no lado direto: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo (Atos 16:31)”.

Na década de 1970, já no segundo mandato de Aluízio Lobo, a praça fora renomeada para “Praça Cônego Aderson Guimarães“, em homenagem ao pároco da Tresidela, falecido, precocemente, em 1970. Nessa alteração, o monumento sofreu algumas mudanças, sendo substituídas as escrituras (foram alteradas para: “Por isso me proclamarão bem-aventurada todas as gerações; Lc 1,48” ), bem como foram removidas as “tábuas” e pastilhas de revestimento.

Atualmente, apesar das ações do tempo e da falta de manutenção, o monumento ainda encontra-se instalado em seu local de origem, em precário estado de conservação.

P.S.: Em novembro de 2020, fora inaugurada uma nova Praça da Bíblia, em frete ao cemitério de Nossa Senhora dos Remédios. No local, fora instalada uma nova estrutura, de proporções maiores, exibindo uma Bíblia aberta.


Imagens: Ac. IHGC; Ac. Aluízio Lobo; Ac. do autor

Fontes de pesquisa: Depoimento de Francisco Guimarães; Livro: Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto/Ano: 2020

“Dona Sinhá” e “Seu Dá”, as homenagens de João do Vale e Luiz Gonzaga à Caxias

Quando Luiz Gonzaga pegou “um trem em Teresina pra São Luis do Maranhão”, as coisas não iam muito bem em sua carreira. Considerado algo démodé, nas décadas de 50 e 60, com a chegada da bossa-nova e, posteriormente, da Jovem Guarda, o baião do velho Gonzagão saíra dos holofotes. Foi um duro golpe ao experiente músico.

Contudo, diferentemente das demais regiões do Brasil, o Nordeste nunca abandonara o seu ilustre filho. Sabedor desse prestígio, Gonzaga, nesse período, excursionou, quase que exclusivamente, por cidades nordestinas. Fazendo parte desse itinerário, Caxias fora uma delas. Por contratação realizada pelo próspero empresário Alderico Jefferson da Silva, o músico veio à cidade, na década de 1950, em ocasião do aniversário de um dos negócios do contratante, o “Armazéns Caxias”. O show teve lugar em frente ao estabelecimento, nos arredores da praça Gonçalves Dias. Para hospedar Gonzaga, fora providenciado um quarto nas dependências do “Palace Hotel”, à Rua Afonso Pena.

A proprietária e administradora do hotel era a popular “dona Sinhá Serrath”, apelido de Rosa Amélia de Jesus Serrath. Nascida a 06 de setembro de 1889, poucas informações sobre a sua biografia chegaram aos nossos tempos. Mãe da célebre professora Dacy, d. Sinhá, sempre pitando cachimbo e adornada de joias, comandava aquele hotel desde a primeira metade do século XX. E fora ali, nos cômodos do Palace (amplo casarão colonial de numerosas janelas), que Luiz Gonzaga acomodou sua sanfona e “se arranchou” antes de sua apresentação em Caxias. No local, o músico ainda encontrou tempo para prosear e desfrutar de algumas doses de conhaque. Tudo por conta de Alderico.

Outro amigo e, neste caso, conterrâneo – ambos nascidos em Pedreiras (MA) – de Alderico era o também músico João do Vale. O artista, que já tinha algumas composições suas tocando pelo Brasil (nesse período, João ainda não havia assumido os vocais), fazia visitas recorrentes ao amigo comendador, em Caxias, que o ajudava financeiramente. Assim como Gonzaga, João, quando de suas vindas a Caxias, também passava pelo Palace. E assim, em 1956, narrando um percurso que fazia frequentemente, João do Vale escreveu a canção “De Teresina a São Luis”, onde, além de homenagear o amigo e “mecenas” Alderico, citava d. Sinhá Serrath, conhecida sua de longa data. Para entoar a canção, o escolhido não poderia ser outro: Luiz Gonzaga. Lançada pela RCA, a música é a quinta faixa do LP “Ô véio macho”, de 1962.

Oficialmente, a canção é composição de João do Vale e Helena Gonzaga, então esposa de Luiz, que também assinou outras oito músicas. Contudo, segundo os entendedores "gonzaguianos", Helena não era compositora. "Era o próprio Luiz Gonzaga o autor das músicas, pois naquela época um artista não podia fazer parceria com outro sendo de gravadoras diferentes por questões de direitos autorais. Daí Helena entrou na jogada e foi nomeada pelo marido como 'Madame Baião'" (Fonte: Blog "Viva o Reio do Baião").Além disso, é muito provável que Luiz Gonzaga não tenha tido envolvimento direto na letra de "De Teresina a São Luis", tendo ficado com a parte de musicar e, posteriormente, gravar o xote. Contudo, esse ponto ainda é muito discutido. 

O xote que narra, como o próprio nome sugere, uma viagem de trem entre as duas capitais, faz menção a cinco cidades maranhenses: Caxias, Codó, Coroatá, Pedreiras e São Luis. A estrofe caxiense é a seguinte:

“Bom dia Caxias
Terra morena de Gonçalves Dias
Dona Sinhá avisa pra seu Dá
Que eu tô muito avexado
Dessa vez não vou ficar”

“Seu Dá” era Alderico. Como uma forma de autopromoção, reza a lenda de que a alcunha teria sido disseminada pelo próprio empresário que, ao comercializar os seus produtos, nada vendia, mas dava, de tão baratos que eram. À boca pequena, os seus desafetos chamavam-no de “Seu Toma”.

Ao contrário de “Seu Dá”, que todos sabiam se tratar de Alderico Silva, a outra personagem citada já fora motivo de confusões. Ocorre que, por muito tempo, acreditou-se que a “Dona Sinhá” mencionada na música seria a esposa de Alderico, Dinir Costa e Silva. Um erro até compreensível. Contudo, como vimos, a “Sinhá”, aqui, era outra.

Quando Luiz Gonzaga esteve novamente em Caxias, em 29 de maio de 1966, trazido pelo então prefeito Aluízio Lobo, o músico fez questão de deixar uma dedicatória ao amigo em um livro, de autoria de Sinval Sá, que narra sua história de vida. Na obra intitulada “O Sanfoneiro no Riacho da Brigida”, o músico escreveu: “Ao amigo Alderico Silva, com os cumprimentos de seu cantor, Luiz Gonzaga.” Nesse mesmo show, realizado na praça Vespasiano Ramos, os caxienses puderam presenciar um “Velho Lua” em plena forma, terminando o espetáculo com um recado aos que pensavam que o seu tempo já tinha passado. Fazendo menção à bossa-nova, a plenos pulmões o músico bradou: “A minha bossa eu também já fiz!”.


João do Vale, por sua vez, não parou com as homenagens ao conterrâneo. Até pela proximidade entre as cidades, suas visitas à Caxias eram bastante recorrentes, como destaca esta nota, abaixo:

Ainda na década de 1960, João compôs a música “Vou pra Caxias”. Desta vez, a letra era toda voltada à cidade. Citando as maravilhas naturais e os santos padroeiros, João intercalou o famoso refrão: “Não adianta/Aqui não fico/Vou pra Caxias, onde está seu Alderico”. Além disso, a canção citava os dois filhos varões do empresário: Getúlio e Aldenir. Como intérprete, fora escolhido o paraense Ary Lobo.

Por nunca ter sido um bom administrador de suas finanças, João sempre viveu de forma bastante humilde, o que nunca lhe fora um problema. Certa vez, já com a saúde bastante debilitada por um AVC, o compositor foi questionado se havia sofrido muito em sua vida, o que, de pronto, respondeu: “se eu sofri eu não sei, porque eu gostava”.

Na década de 90, pouco antes de seu falecimento, João ainda vinha à Caxias visitar o velho amigo, Alderico, em seu palacete e, de quebra, receber aquele agrado monetário sempre muito bem-vindo.

E como tudo nessa vida passa, os protagonistas dessa história também já se foram. Contudo, como toda obra artística de qualidade, que desconhece a efemeridade, as músicas de João e Gonzaga eternizaram-se no cancioneiro popular. Provando mais uma vez que tudo que é bom sobrevive aos testes do tempo.


Fontes de pesquisa: Jornal do Maranhão; jornal “Folha de Caxias”; Blog “Viva o Rei do Baião”; Wikipédia; Texto “Momento Poética: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião/Autor: Edmílson Sanches; Depoimento de Mário Gomes

A. Oliveira, o artista que pintou Caxias

“A pintura é poesia sem palavras.” – Voltaire

Quem quer que tenha visitado o Memorial da Balaiada, Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC), Câmara Municipal ou o prédio da Prefeitura, com certeza já se deparou com as obras deste artista. De cores vibrantes, as pinturas captam imediatamente a atenção de quem as observa. Além das belas representações, no canto inferior das telas os visitantes mais atentos podem notar a assinatura de seu autor: “A. Oliveira”. A rubrica nada mais é que o nome abreviado de: Antônio Francisco de Oliveira.

Caxiense nato, “seu Oliveira” – como era mais conhecido – nasceu em 24/08/1929, filho de d. Perine e José Domingos Oliveira. Seguindo o ofício do pai, o pequeno Antônio começou a trabalhar como marceneiro. Através desta profissão, já ajudava desde cedo no sustento de casa. Tinha mais seis irmãos, quatro homens e duas mulheres.

Ambicionando ares mais artísticos, ainda na juventude, após se deparar com um anúncio de um curso de pintura, por correspondência, do Instituto Universal Brasileiro, resolve embarcar na empreitada. Pela modalidade de ensino empregada, o curso não se mostrava muito eficaz, tendo o caxiense que contar com uma grande dose de auto-didatismo. Muito humilde, no início Oliveira fazia a matéria prima de seu trabalho utilizando os recursos naturais que tinha à disposição: da casca do pequi em decomposição, fazia a tinta preta; do urucum, fazia a tinta vermelha; do calcário, tinta branca. Adepto a um estilo de pintura mais impressionista, suas obras, em óleo sobre tela, imprimiam as marcas de suas rápidas pinceladas.

Aos poucos, Oliveira foi ganhando confiança, desenvolvendo seu estilo, e seu trabalho conquistando a admiração dos apreciadores de arte. Já reconhecido pela beleza de suas pinturas, na década de 1970, em homenagem póstuma ao padre Aderson Guimarães, o pintor resolveu eternizar o clérigo em sua tela. Tendo como referência uma fotografia, em preto e branco, do padre, o artista pintou um quadro, em tamanho natural, o qual fora destinado à Diocese de Caxias.

Mesmo tendo sempre variado nos objetos que retratava em suas pinturas, o artista tinha uma predileção pelos cenários caxienses. Pintando desde praças, natureza morta, objetos, pessoas, igrejas, riachos, casarões à reconstituições de episódios históricos. Quando da fundação do Memorial da Balaiada, em 2004, fora encomendado a Oliveira uma tela que retratasse a respectiva guerra. Nascia, assim, aquela que talvez seja a sua obra mais conhecida. Em sua interpretação visual dos fatos, o artista buscou retratar a violência e barbárie que marcaram esse episódio.

Além do trabalho pictórico, Oliveira produziu algumas esculturas. Na administração da prefeita Márcia Marinho, esculpiu para a Avenida Santos Dumont, em Caxias, um busto do famoso aviador, posto sobre um pilar modernista em forma de avião. Pilar, esse, que, em 2019, acabou sendo destruído, após um acidente de carro partir a estrutura ao meio, danificando também a escultura, que foi reformada e reposta no ano seguinte. Também chegou a produzir um busto de Vespasiano Ramos, que guardava em sua casa.

Trabalhando na Secretaria de Cultura de Caxias, Antônio ministrou aulas de pintura nas dependências do Centro de Cultura José Sarney. Casado com Maria Antônia da Luz de Oliveira, o artista teve três filhos; tendo residido em um imóvel localizado próximo à antiga estação férrea (atual CEFOL). Em 2001, recebeu o título de comendador da Ordem do Mérito Poeta Gonçalves Dias, de acordo com a lei municipal nº 1469/2001. Em 2018, a Exposição “Balaiada, A luta sem fim – 180 anos da revolta” trouxe suas obras ampliadas e colocadas no corredor de acesso ao Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília/DF.


Em 2020, através de uma iniciativa da Feira de Artes de Caxias intitulada “Invisíveis Presentes”, Antônio Oliveira, já em idade avançada, foi fotografado pelas lentes de David Sousa. A exposição virtual teve o intuito de homenagear alguns caxienses ilustres. Esse talvez tenha sido o último registro de Antônio, em vida; já que no dia 12/03/21, aos 91 anos de idade, o artista faleceu; tendo produzido mais de 800 telas, espalhadas pelo Brasil e exterior.


Fontes de pesquisa: Livro “Cartografias Invisíveis”/Vários Autores; Perfil do Instagram “Feira de Artes de Caxias; Livro “Por Ruas e Becos de Caxias”/Autor: Eziquio Barros Neto

THE BATS – Quando a beatlemania chegou à Caxias

Sexta-feira, 28 de outubro de 1966. Noite de festa no Cassino Caxiense. Depois de vários dias de espera, era chegada a ansiada hora. Finalmente, os jovens caxienses estavam assistindo ao show da popular banda paulista The Clevers. Com cabelos caindo na testa, terninhos padronizados e “atitude rock ‘n roll”, os garotos eram muito prafrentex à uma Caxias habituada aos costumes mais tradicionais. Resumindo: a banda era o bicho! Mora?

O grupo foi contratado para tocar em um dia especial: a reabertura do C.R.C. (Clube Recreativo Caxiense; denominação que o Cassino passou a ter na década de 1960), que agora estava sob nova administração, e inauguraria, na oportunidade, o seu novo balcão-frigorífico. E como fora noticiado em um jornal do período, o Cassino “agora era dirigido por uma turma de jovens vontadosos“. Fazendo jus a alarmada jovialidade, nada melhor que reabrir as portas do clube com uma banda que estava na crista da onda.

E assim se dera. Ao som de músicas como “Não acreditei” (vídeo abaixo), os jovens dançavam e cantavam em coro. Diversão pura. Mas, além da simples diversão, para um grupo de seis amigos, fãs da banda, que assistiam maravilhados ao espetáculo, aquele show representava algo mais: uma possibilidade; um antigo desejo. O sonho era possível.

Quem eram esses jovens? Eram eles: Ribamar Palhano (Riba), Francisco Santos (Chico), Paulo Correa, José Carlos Santos (irmão de Francisco Santos), Gerardo Vidigal (Taqueira) e Alderico. Todos na faixa dos 20, 21 anos, vindos de famílias tradicionais de Caxias (Zé Carlos e Francisco são naturais de Barra do Corda).

Ainda estudantes do, antigamente, chamado “segundo grau científico” no Colégio Diocesano (nessa época, a instituição ainda era exclusiva para meninos), os garotos, na hora do intervalo, já sabiam para onde deveriam ir: a sala de instrumentos. Ali mesmo improvisavam um som. Paulo assumia os vocais; para ele a música não era de todo estranha, afinal, era sobrinho do professor de Música Adelmo Guimarães (irmão do pe. Aderson). Riba e Gerardo também tinham o gosto pela música correndo nas veias, tendo em vista que seu bisavô, Raimundo Ferreira Vilanova, havia tido uma orquestra. E os outros garotos possuíam já alguma intimidade com alguns instrumentos, pois tocavam nos desfiles cívicos de 7 de setembro, do colégio.

Mas os minutos de intervalo não eram suficientes, o que levava os garotos a se reunirem à Praça Gonçalves Dias. Para o instrumental, o violão de Paulo bastava. Cantando os sucessos da época, os jovens ficavam até altas horas da noite nos bancos da praça. Era a época de bandas como The Beatles e The Beach Boys, para citar as internacionais. No Brasil, o ritmo conhecido como “iê, iê, iê” logo chegou às paradas do rádio, e nomes da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ronnie Cord e Wanderleia, não saiam da boca dos mais jovens. E essas foram algumas das inspirações para o sexteto de amigos.

Aquele show do The Clevers atiçou ainda mais a antiga vontade de montar uma banda de rock. No ano seguinte, em 1967, o grupo deu vida à ideia e começou a se organizar. A divisão de instrumentos foi a seguinte: Paulo assumiria os vocais e guitarra-solo; José Carlos, guitarra-base e segunda voz; Chico, contrabaixo e voz; Riba e Taqueira, bateria (um tocava a primeira parte da festa, enquanto o outro fazia percussão; na segunda parte da festa, revezavam). Alderico (filho da professora Miroca), devido a restrições impostas pela família, não pôde participar do grupo.

E qual seria o nome da banda? “The Bats” (Os Morcegos, em tradução literal) foi o escolhido. Com um nome internacional, o nome dos integrantes deveria ser em inglês, pensaram. Agora, Riba era “Mike”; Chico, “Francis”; Paulo, “Paul”; Zé Carlos, “Charles”; e Gerardo, “Snake”.

E os instrumentos? Nada que um improviso não resolvesse. Para tanto, contaram com os serviços de Mário Beleza, tradicional músico caxiense que também exercia o ofício de marceneiro. Seguindo as ideias apresentadas pelos jovens, Mário, como podia, dava vida aos instrumentos, já que não tinha muita experiência no ofício de luthier. No início, nem tudo saiu como o planejado. Os primeiros instrumentos produzidos por Beleza logo apresentaram problemas em sua confecção, o que impossibilitava o uso. Após os erros iniciais, as falhas foram sendo ajustadas. Já para a elétrica dos aparelhos – parte responsável pela saída do som nos amplificadores -, os amigos contaram com a ajuda de um técnico em rádio de nome Felipe.

Contando com o total apoio do presidente do Cassino, Getúlio Silva (filho do casal Alderico e Dinir), o The Bats poderia ensaiar nas dependências do clube, bem como realizaria sua primeira apresentação no local. Após as devidas preparações, enfim o grupo fez a sua apresentação de estreia, em uma noite de Sábado, nas dependências do Cassino. Já saudosos dos The Clevers, os caxienses foram, em peso, prestigiar os jovens estreantes. No repertório, covers dos artistas de sucesso da época (músicas de “Renato e Seus Blue Caps” eram recorrentes). Com o sucesso do show, foi marcada uma segunda apresentação para o dia seguinte, a ser realizada na AABB (que ainda funcionava no centro da cidade).

Com o êxito do grupo, Getúlio Silva se comprometeu a adquirir novos instrumentos à banda, que viriam de Fortaleza. Em contrapartida, o The Bats faria apresentações no restaurante (extinto na década de 1970) do balneário Veneza, o qual o bar era arrendado ao Cassino Caxiense. E assim se dera. Todo o sábado à noite, show no Cassino; Domingo, pela manhã até uma 15h, show na Veneza. Cumprindo a promessa, algum tempo depois, com a presença do então prefeito de Caxias, Aluízio Lobo, os novos instrumentos foram entregues aos músicos.

Após alguns shows, o The Bats já era sucesso na cidade. Sendo que, ao final de uma dessas apresentações, um empresário artístico foi procurá-los, oferecendo os seus serviços. Ambas as partes de acordo, negócio fechado. Com a entrada desse empresário, as coisas ficaram mais profissionais. Primeiro que o agenciador venderia a banda como sendo de São Luis, o que, a seu ver, facilitaria a contratação por outras praças. E a estratégia parece que deu resultados, já que o que antes era restrito à Caxias e região, passou a incluir no roteiro diversas cidades do Piauí e Maranhão (como: Presidente Dutra, Barra do Corda, São Domingos etc.). A logomarca do grupo, caracterizada por um morcego, além de estar presente no bumbo da bateria, foi pintada na Kombi que rodava com o grupo em shows nas outras cidades.

Para mostrar que levavam o sonho à sério, o quinteto providenciou “uniformes” para os shows, tal qual os grupos da época; sendo, estes, confeccionados pelos próprios familiares. De estampas floridas à jaquetas similares as dos Beatles, a banda ousava. Ribamar foi além. Inspirado em uma capa de disco de Roberto Carlos, pediu ao irmão Antônio, sapateiro, que fizesse uma bota idêntica à do cantor.

A cabeleira do grupo causou estranhamento aos menos habituados, haja vista a nota humorada emitida em um jornal da cidade: “Acredito que para se tocar guitarra ou seja lá o que diacho for de nada servem os cabelos. Mas eles [o grupo The Bats] são donos deles e naturalmente não querem servir de peruca para ninguém…”

Em determinada ocasião, o Cassino contratou uma banda de grande sucesso do Rio de Janeiro chamada “Ivanildo e Seu Conjunto”. Mas, para a surpresa dos organizadores, nada saiu como o esperado. Logo que a banda começou a tocar os primeiros acordes, os “pés-de-ouro” (dançantes) começaram a reclamar. Queriam algo que balançasse mais o esqueleto, afinal, eram tempos de rock! Não teve jeito, dispensada a banda, os Bats foram contratados para substituir o conjunto.

Foram meses intensos de apresentações, o que proporcionou aos jovens, além de uma renda razoável, muita diversão. E como tudo que é o bom dura pouco, com o The Bats não foi diferente. Após oito meses de carreira, chegava ao fim o grupo. Mas o término já era meio que esperado.

Objetivando concluir as suas respectivas formações acadêmicas, os amigos tiveram que se separar, já que cada um rumou para uma cidade diferente. Dos cinco, apenas Riba continuou em Caxias, onde integrou por algum tempo o conjunto Os Naturais – depois, mudou-se para São Luis.

Como muitos conjuntos caxienses da época, o The Bats, infelizmente, não deixou nenhum tipo de registro fonográfico. 

Hoje, mais de cinquenta anos após o encerramento do The Bats, muitos caxienses são saudosistas ao lembrar da banda. Já setentões, cada um dos cinco integrantes do grupo, atualmente vive em cidades diferentes do Brasil. Ao que se sabe, nenhum deu prosseguimento à carreira musical, e nunca mais reuniram-se após o fim da banda. Uma reunião já foi tentada pelos organizadores da tradicional festa da “Velha Guarda Caxiense”. Contudo, segundo Ribamar Palhano (quem eu entrevistei para essa matéria), o reencontro é improvável, não sendo possível por questões logísticas e pessoais de cada integrante. Torçamos para que, um dia, esse reencontro aconteça, nem que seja one night only!


Fontes de pesquisa: Depoimento cedido, gentilmente, por Ribamar Palhano; Livro “Cartografias Invisíveis”/Capítulo de autoria de Nonato Ressurreição; Jornal “Folha de Caxias”

Imagens da publicação: Créditos nas imagens

O “Bar Operário” de Herval Lobo

Toda cidade que se preze, especialmente as interioranas, tem um bar de estimação. Popularmente conhecidos como botecos ou bodegas, estes estabelecimentos são o ponto de encontro dos apreciadores do popular líquido estritamente vedado aos passarinhos. Verdadeiras “confrarias da boemia local”, ali, entre um golada e outra, muitas amizades são formadas, brigas são apartadas, as pazes são seladas, apostas são firmadas e – mais frequentemente – mentiras são contadas. Não necessariamente nessa ordem.

Fazendo parte desse rol, em Caxias, o “Bar do Herval” é, sem dúvidas, um dos mais lembrados pelos saudosistas. Mas, antes de falar sobre o bar, em si, discorramos um pouco sobre o seu proprietário.

Vindo de uma tradicional família caxiense, Herval Lobo e Silva (muitas vezes o seu nome é grafado sem o “H”) nasceu em Caxias, no dia 08/07/1911. Fruto da união de Libânio Filho com d. Bezina, Herval era neto do conhecido coronel Libânio Lobo. Tinha mais três irmãos, Joacir, Waldemar e João Lobo. De sua juventude, quase nenhuma informação chegou aos nossos dias. Sabe-se que, seguindo o tino comercial do irmão, João (proprietário da “Casa Matoense”), Herval decidiu abrir um negócio, mais modesto e menos ambicioso. E assim, sob o nome de “Bar e Mercearia São José Operário”, Herval inaugurou o seu estabelecimento.

A data de sua fundação é incerta. O seu primeiro anúncio publicitário, que se tem notícia, data da segunda metade da década de 1940, levando à conclusão de que seja essa a data aproximada de sua inauguração. Funcionando em amplo casarão de estilo colonial, na esquina do antigo Beco da Estrela com a Rua Afonso Pena, o estabelecimento tinha sua fachada virada para a praça Vespasiano Ramos. O nome do bar ficava posicionado em uma placa de vidro, iluminada de dentro para fora, com luz de lâmpadas fluorescentes. No meio da placa, em tintas coloridas, o busto pintado de São José, segurando, com uma das mãos, o menino Jesus, e vários lírios brancos, na outra mão. Logo abaixo da imagem, o nome de Herval.

Herval, ou “Seu Herval” para os menos íntimos, era um comerciante agoniado. Andava, no bar, de um lado ao outro, quase sem parar. Por uma deficiência em uma das pernas, arrastava um dos pés. Dias, estava falador, comunicativo; dias, estava mais calado, pensativo. Quando estava nervoso, apresentava gagueira. Não muito vaidoso, quase sempre as suas camisas estavam abertas na altura da barriga, e os cabelos (as vezes, curto;, as vezes, mais longos) desalinhados – na década de 1980, chegou a cultivar uma longa barba. Quando não estava com um toco de charuto no canto da boca, ficava mascando fumo bruto e, minuto a minuto, cuspindo o sumo do tabaco em uma caixinha cheia de terra, que ficava na parte interna do extenso balcão de madeira.

Além do bar, no local também funcionava uma mercearia e um restaurante improvisado. A freguesia, além da vizinhança, era composta por pessoas que vinham de longe para comprar mantimentos de primeira necessidade, tendo em vista a diferença de preços. “Herval visava o menor lucro e mais fregueses. Foi o pioneiro na venda de conservas. Começou, vendendo massa de tomate, sardinha, leite condensado e goiabada, os primeiros enlatados fabricados no Brasil e conhecidos em Caxias”, relembrou o saudoso escritor Firmino Freitas, em seu livro de memórias.

Firmino também relembra como era o bar em dias festivos: “O bar, além das novidades trazidas, em primeira mão, para Caxias, tinha utilidade de agenda, isto é, funcionava como calendário. Todas as datas eram lembradas de uma maneira ou de outra. O Carnaval era lembrado com máscaras, feitas de pedaços de jornal colados com grude de tapioca sobre fôrma de barro, por uma senhora da Rua da Estrela, e vendidas a preços módicos; a Semana Santa, pelo bacalhau norueguês importado em barricas ou caixas de madeira, (…) que era pendurado em uma das portas, qual bandeira; o Natal, pela venda de bolas de borracha e pequenas bonecas de baquelita, de celuloide ou de pano com cabeça, pés e mãos de porcelana. No período das festas juninas, eram lembrados com venda de traques, bombas de várias potências de explosão, trepa-moleques, espanta-moscas (…)”.

No Sábado de Aleluia, era Herval o responsável pela fabricação do boneco do Judas que viria a ser malhado na praça em frente. Quando dos festejos de São Benedito, Herval tirava mais mesas do depósito, e as colocava na parte de fora do bar, na calçada e no calçamento de pedra bruta, no lado que dava para o largo da festa.

O fregueses do Bar Operário pertenciam as mais diversas classes sociais e profissionais. Como bem definiu um de seus habitués, Enoch Torres da Rocha: “Era o ponto de encontro dos P.P.S. (Pinguços, Poetas e Simpatizantes). Em suas democráticas mesas sentaram diversos empresários, comerciantes, poetas, políticos, intelectuais ou simples pinguços contumazes. Mesas, essas, de um pé só, um pé central em cruz para manter o equilíbrio, feitas de cedro com polimento escuro e ornadas com tampo de vidro pintado com o nome do bar ou com propagandas das outras casas comerciais existentes. Dentre os caxienses que passaram por aquele balcão, destacam-se: Nachor Carvalho (industrial), Acrísico Cruz (jornalista e poeta), Leôncio Magno (professor e jornalista), Nanito Souza (comerciante) etc… Homens que, após mais uma jornada de trabalho, passavam no bar para bater papo e tomar um “digestivo”, abrindo, asism, o apetite para mais um tira-gosto.

“Para o tira-gosto, não faltava no balcão-vitrina, uma leitoa assada inteirinha, com maçã na boca e azeitonas nos lugares dos olhos. A leitoa, tipo pururuca, era colocada em uma grande bandeja, ornada com rodelas de cebola, tomate e limão, e a indispensável farofa, gorda, corada com corante de urucum ou açafrão. Não se sabe se a cerveja gelada, “véu-de-noiva”, era o chamariz, ou as leitoas e os capões assados é que atraiam os fregueses para o bar, diariamente, depois do expediente dos escritórios e de parte do comércio do centro da cidade” (Memórias de Firmino Freitas).

Além dos adultos, a criançada também era presença constante no Bar Operário (com o tempo, o estabelecimento teve o seu nome encurtado), quer fosse para comprar os mantimentos para casa, quer fosse para comprar guloseimas e picolés. Os picolés de Herval eram uma atração à parte. Além dos picolés de juçara, coalhada, cajá e imbu; eram vendidos os de sabor morango, que, segundo relatos, eram pura anilina azeda, com o cheiro enjoativo. O mais vendido era o de coco, feito com bagaço e tudo – não se sabia se estava comendo ou chupando o picolé. Apesar dessas ressalvas, os picolés de Herval – talvez pela falta de opções – faziam sucesso entre a garotada.

Já na década de 1990, com mais de quarenta anos em funcionamento, Herval ainda era o responsável pelo Bar Operário. Muito trabalhador, levantava, diariamente, às 5h da manhã. Ritmo de trabalho que foi ficando cada vez mais difícil de manter, afinal, já contava com mais de oitenta anos de idade. “[Herval] Reclamava, sempre e sempre, de dores no corpo e de um incômodo que lhe causava uma hérnia no abdômen, além de frequente dor de cabeça; As dores eram denunciadas pelo mau humor; a hérnia, pela protuberância que dias estava menor, dias de visível aumento” recordou Firmino, cliente e amigo de Herval.

Ainda assim, Herval manteve o seu estabelecimento em funcionamento até próximo ao seu falecimento, ocorrido em 23/04/1995, aos 83 anos de idade. Não deixou descendência. Após a sua partida, o Bar Operário também encerrou suas atividades e o casarão passou a abrigar diversos estabelecimentos, em sua maioria bares e restaurantes. Atualmente, o imóvel, que ainda conserva parte de suas feições originais, abriga uma farmácia.


Fontes de pesquisa: Livro “Festejos de São Benedito”/Autor: Firmino Antônio Freitas Soares; Depoimento e arquivos cedidos, gentilmente, por Wilton Lobo; Livro “Por Ruas e Becos de Caxias”/Autor: Eziquio Barros Neto

Imagens da publicação: Ac. do IHGC; Jornal “O Cruzeiro”; Ac. de Wilton Lobo; Internet

Restauração, Colorização e Design das imagens: Brunno G. Couto

Marcello Thadeu de Assumpção

Marcello Thadeu de Assumpção nasceu em Caxias, no dia 16/01/1917; filho de Antônio Thadeu de Assumpção e Guiomar Cruz Assumpção. Em sua cidade natal, iniciou os seus estudos primários no colégio da professora Quininha Pires, prosseguindo-os em São Luis, no Seminário Santo Antônio. Contudo, percebeu que a sua vocação era outra, optando por cursar Medicina.

Dessa forma, seguiu para Salvador, onde formou-se, em 1943, aos 26 anos de idade, pela Faculdade de Medicina da Bahia. No Rio de Janeiro, especializou-se – pela Universidade do Rio de Janeiro – em Obstetrícia, Ginecologia, Pediatria, Câncer Ginecológico e Doenças da Nutrição. Na Academia de Farmácia, aperfeiçoou-se em Bacteriologia e Imunologia. Estudo do mesmo nível, em relação a doenças da pele, frequentou o Departamento Nacional de Saúde.

Após formar-se, Marcello retornou à Caxias, onde passou a atender a população da cidade, principalmente os mais humildes. Em sua carreira médica, atuou no INPS, RFSA, Hospital Miron Pedreira, FSESP, Posto de Saúde do Estado e Casa de Saúde e Maternidade de Caxias. Atendia a todos sem distinção de qualquer natureza, onde quer que fosse necessário o seu serviço, e a qualquer hora. Na cidade, fundou, em 1960, o jornal Tribuna Caxiense, onde também ocupava a função de diretor.

Seguindo a sua vocação de servir aos seus conterrâneos, o médico candidata-se, em 1955, ao cargo de prefeito – não logrando êxito nessa primeira investida. No pleito de 1962, elege-se deputado estadual, pelo PDC (Partido Democrata Cristão). E nas eleições de 1969, apoiado pelo então prefeito, Aluízio Lobo, Marcello Thadeu é eleito prefeito de Caxias, para o pleito de 1970 à 1973; tendo como vice o empresário Elmary Machado Torres. Concluído o mandato, voltou às lides eleitorais e foi eleito vereador à Câmara de Caxias, de 1977 à 1982. Em 1982, voltou a eleger-se ao mesmo cargo, onde permaneceu de 1983 à 1988.

Além da carreira médica e política, Marcello Thadeu também dedicou-se ao magistério; função que exerceu com excelência. Atuando no Colégio Caxiense, lecionou nas cadeiras de: Latim, Francês, História Natural e Ciências. Nos colégios Diocesano e São José, também deu aulas de Latim e Francês.

Muito respeitado em todos os campos em que atuava, dr. Marcello realizou diversas benfeitorias à sua cidade. Sendo que a maior de suas obras fora, sem dúvidas, a Fundação Educacional Coelho Neto (FECON), criada em 1963, com sede própria, em moderno edifício constituído de amplas instalações, onde são ofertados cursos de 1 e 2 graus, e Jardim de Infância. Gozando de alto conceito perante a comunidade e autoridades locais, a instituição de ensino, localizada à rua Cel. Libânio Lobo, funciona até os dias de hoje.

Já idoso, o médico passou a residir em um imóvel localizado na Praça Gonçalves Dias. Local onde passava horas sentado, olhando o movimento da cidade. Marcello Thadeu, que não teve filhos, faleceu em sua terra natal, no dia 02/04/2002, aos 85 anos de idade.

Marcello Thadeu em fotografia da década de 1990.

Em sua memória, a sua família fundou, em 22/01/2008, o “Memorial Humanista Dr. Marcello Thadeu de Assumpção” localizado nas dependências do Colégio Coelho Neto; cujo o objetivo é preservar todo o acervo de objetos, móveis, fotos, documentos e instrumentos médicos, que recontam a vida desse ilustre caxiense. Além disso, o médico humanista também da nome a uma avenida da cidade.


Fontes de pesquisa: Livro Efemérides Caxienses/Autor: Arthur Almada Lima Filho; Jornal Cruzeiro; Jornal Nossa Terra; Livro Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto

Imagens da postagem: Ac. do IHGC; Jornal Cruzeiro; Jornal Nossa Terra; Ac. Aluízio Lobo

Restauração e Colorização: Brunno G. Couto

O antigo monumento da Praça do Panteon

Em 1923, ano em que comemorou-se o primeiro centenário da independência de Caxias, o prefeito Francisco Vilanova programou grandes solenidades a serem realizadas na cidade; destacando-se a inauguração, em 02 de agosto de 1923, no então Largo da Independência, de um marco simbolizando a importante efeméride – marco, esse, demolido anos depois.

Durante o primeiro mandato do tenente Aluízio Lobo (1966/1970) como prefeito de Caxias, o Largo da Independência – agora já renomeado para “praça do Panteon”-, que até então era um grande campo de grama e piçarra, passou por uma reforma radical. Com planta projetada pelo artista caxiense Mundico Santos, a área foi pavimentada, ganhando passeio, jardins, dois coretos, uma pequena arquibancada e um espelho d’água. E assim permaneceu até a década seguinte.

A então praça Pedro II (atual Dias Carneiro, popular Panteon), em fotografia de 1950; antes da mudança realizada pelo governo Aluízio Lobo.

Seguindo a tradição de 1923, em 1973 o prefeito José Castro decidiu realizar, no primeiro ano de seu mandato, a construção de um monumento simbólico ao aniversário de 150 anos da adesão de Caxias à independência. O local escolhido para a vindoura construção fora novamente o centro da praça do Panteon (Dias Carneiro); em substituição ao antigo espelho d’água.

E assim se dera, até que, em 01 de agosto de 1973, contando com a presença de populares e diversas autoridades de Caxias, a estrutura fora inaugurada. Projetado por Raimundo Mário Rocha, o obelisco em concreto (que recebeu o nome de “Monumento aos Heróis”) tinha a forma de uma grande flecha fincada, como que indicando que aquele era o local que outrora fora conhecido como Largo da Independência. Nada mais adequado. Em sua base de duas rampas, local onde muitas crianças subiam, localizavam-se duas placas comemorativas.

O monumento em 1973, ano de sua inauguração.

O monumento permaneceu naquele local até a primeira metade da década de 1990, quando, na administração do prefeito Paulo Marinho (1993/1996), a praça fora remodelada. Além da demolição dos coretos e arquibancada, o monumento também fora posto abaixo. Em seu lugar, fora construída uma fonte luminosa d’água (existente até os dias de hoje).

Diferentemente da atual estrutura, o antigo monumento fazia referência a uma importante data para Caxias, e que, sem dúvidas, merece ser lembrada.


Fontes de pesquisa: Biblioteca Benedito Leite; Livro Efemérides Caxienses/Autor: Arthur Almada Lima Filho; Livro Efemérides Caxienses/Autor: Eziquio Barros Neto

Imagens da publicação: Ac. Dreyfus Azoubel; Ac. Família Guimarães; Internet

Restauração: Brunno G. Couto

A história da Fábrica de Manufatura Caxiense (Atual Centro de Cultura)

Texto de Brunno G. Couto

“Se nós, aqui, não temos uma fábrica de fiação e tecelagem; Caxias, lá no interior, é que vai ter?!”. Ao ouvir, de empresários ludovicenses, essas palavras em tom de chacota, Francisco Dias Carneiro tomou aquela indagação como objetivo de vida. Rumou de volta à Caxias, e fundou, com a ajuda do povo, em 22 de outubro de 1889, a Companhia União Caxiense, que viria a ser proprietária, não de uma, mas três fábricas de fiação e tecelagem na cidade.

Dias Carneiro, aos 40 anos de idade.

Dias Carneiro havia ido a São Luis em busca de apoio empresarial para a sua futura empreitada. Contudo, como vimos, a viagem fora infrutífera. Ao retornar a Caxias, os caxienses, sabedores da luta de Carneiro, abraçaram a ideia e, mesmo com dinheiro insuficiente, levaram a cabo a fundação da sociedade. Primeiramente, em 01/01/1888, fora fundada a Fábrica Industrial Caxiense, a primeira fábrica têxtil do Maranhão. Posteriormente, veio a Fábrica União Caxiense, tendo suas obras iniciadas no final de 1889. Dias Carneiro, homem vitorioso, faleceu no ano de 1896 em Caxias .

“O processo de industrialização no Maranhão ocorreu no final do século XIX, com a instalação de varias unidades fabris especializadas no processamento da fibra de algodão, cuja cultura tem sido apontada como maior responsável pela ampla projeção econômica verificada nos séculos XVIII e XIX. O algodão serviu em grande escala como matéria prima para as fabricas têxteis do Maranhão. Nesse cenário, Caxias, que era uma das cidades mais populosa da província e grande produtora de algodão, chegou a exporta ‘para as praças da Europa, pelo porto de São Luís, ou para os grandes centros do sul, através do Piauí, Pernambuco e Bahia’ (COUTINHO, 2005, P.293), sendo pioneira no ramo têxtil no Estado do Maranhão”.

Em 1892, impulsionado pela febre das fábricas, chegou a vez da mais ambiciosa delas. Estabelecida, em 22/05/1892, a sociedade anônima denominada Companhia Manufatura Caxiense S/A, tinha como principais responsáveis os seus diretores fundadores: Segisnardo Aurélio de Moura, José Ferreira Guimarães (bisavô da atriz Glória Menezes), José Castelo Branco da Cruz e Antônio Bernardo Pinto Sobrinho. O local escolhido para a instalação da vindoura fábrica era distante das fábricas supracitadas, que localizavam-se no Ponte. A preferência foi por um terreno próximo a Estação Férrea Caxias – Cajazeiras , que vinha sendo construída, além da proximidade ao rio Itapecuru e seus portos muito movimentados.

Como o terreno escolhido era alagadiço, houve uma demora até que fosse realizada a drenagem do solo, sendo lançada a sua pedra fundamental no início de 1893. A nova fábrica teve o capital inicial 850 contos de réis, de 260 acionistas, que subscreveram 2.834 ações; sem qualquer incentivo do Estado. O projeto arquitetônico ficou a cargo do engenheiro Palmério Cantanhede, que, em virtude do acompanhamento das obras, residiu em Caxias por 18 meses. As estruturas metálicas foram importadas dos Estados Unidos e da Inglaterra, sendo transportadas pelo mar até São Luis, e, de lá, pelo rio Itapecuru até Caxias. As telhas vieram da França.

Detalhe da parte interna do teto da fabrica. Ano da imagem: 2020.
Detalhe interno da chaminé. Ano da imagem: 2020.

Um ano depois, o prédio estava quase concluído, estando todo coberto; a chaminé, de 38 metros de altura, estava finalizada e as caldeiras instaladas. Não obstante, ainda levara alguns anos para a sua finalização. Até que, em 18/09/1898, a fábrica é, enfim, inaugurada. Recebendo o nome de “Fábrica Gonçalves Dias”. A cerimônia de inauguração teve início às 10h, contando com uma grande número de presentes. Realizando a benção do novo prédio, estava o o vigário da Igreja de São Benedito, José Ewerton Tavares. Serviam de paraninfos os senhores: Comendador Francisco de Britto Pereira; Capitão Lionídio Britto Lima dos Reis; Joaquim Barbosa Caldas e Joaquim José Pinto de Moura.

A Fábrica em fotografia de 1908.

Após um longo e belo discurso do padre, o Tenente-Coronel Manoel Gonçalves Pedreira (pai do médico Miron Pedreira), na qualidade de chefe do poder executivo municipal, surgiu no local em que via-se uma fita de cor verde prendendo o volante do motor. Após improvisar um discurso – onde lembrou os serviços prestados por Dias Carneiro (já falecido), Custódio Santos e José Ferreira Guimarães à economia de Caxias – muniu-se de uma tesoura (oferecida pelo coronel José Castelo da Cruz) e cortou a faixa, declarando inaugurada a nova fábrica de manufatura de Caxias, a Fábrica Gonçalves Dias.

Assim que a fita simbólica fora cortada, imediatamente todos os mecanismos entraram em funcionamento, para a admiração dos presentes. Concomitantemente, é executado, pela banda do maestro Carimã Junior, o hino nacional. Após as solenidades programadas, os visitantes puderem visitar as instalações da fábrica. A visão deles foi a seguinte:

Ao lado da porta principal do escritório, viam-se duas árvores de algodão, contendo uma as maçãs e outras os capulhos da preciosa fibra. Mais adiante, ao adentrarem um dos compartimentos da fábrica, viram: algodão em caroço e em pluma; rolos já empastados, fios em maçarocas e carretéis. 

Além disso, morins de diferentes marcas e larguras, em fardos de dez peças; cretones, mesclinas, brins de várias cores; e toalhas, que ocupavam todo o espaço do vasto compartimento. Nos lados superiores das paredes, pendiam cortinas encimadas por escudos com as cores nacionais, nos quais liam-se os nomes dos diversos municípios do Maranhão. 

Toda essa ornamentação fora produzida pelo maquinário da própria fábrica, que fora importado da casa comercial Sons & Co., de Henry Rogers, localizada na cidade de Wolverhampton, na Inglaterra. 
Parte interna da torre.

O industrial Zezinho Guimarães.

Passando por dificuldades financeiras, a Fábrica Gonçalves Dias teve vida curta, fechando as portas em 1901, três anos após a sua inauguração. Sendo vendida, em 1902, em um leilão judicial por 40 contos de réis para o Banco da República, o credor hipotecário. No ano seguinte, a Companhia União Caxiense, proprietária da Fábrica União e da Fábrica Industrial, assume o seu controle até o ano de 1919, quando dois comerciantes teresinenses arrendaram-na. Em 1923, a fábrica a Companhia União Caxiense assume novamente o seu controle, sendo o comerciante Zezinho Guimarães (filho de José Ferreira Guimarães) o seu maior acionista. O industrial controla a Manufatura até 1944, quando transfere-a a um grupo paulista sob a liderança de José de Agustinis. Até que, em 1958, a Fábrica de Manufatura encerra, de vez, as suas atividades.

A fábrica em pleno funcionamento, por volta do ano de 1920.

Desde o seu encerramento, o prédio da fábrica permaneceu sem utilização. Correndo o risco de ser desmontado, o prédio estava em completo abandono quando, em 1977, o prefeito Aluízio Lobo incorpora o imóvel ao município; sendo, em 1980, revitalizada as suas dependências para abrigar o Centro de Cultura Acadêmico José Sarney.

Década de 1970. Após anos desativado, o prédio começa a passar por reformas para abrigar o vindouro Centro de Cultura.


Nesse mesmo ano, é realizado o tombamento do prédio pelo Estado, conforme o Decreto Estadual n. 7.660, de 30 de agosto. Desde então, o prédio já abrigou teatro, biblioteca, museu, exposições, artesanato, arquivo municipal e lojas. Além disso, vem recebendo diversos órgãos públicos, agências bancárias, e, até mesmo – de forma provisória – escolas.

Um dos mais icônicos símbolos de Caxias, em 08 de setembro de 2021 o prédio, de estilo neoclássico, completou 123 anos de história.

O prédio em fotografia recente.

Abaixo, um comparativo da fábrica no anos de 1920 e 2012. Para visualizar, arraste a bolinha central para os lados:


Fontes de pesquisa: Jornal de Caxias; Livro Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto; Artigo “A participação das Mulheres no Espaço Têxtil e sua Contribuição nos Aspectos Econômicos de Caxias – MA”/Autoras: Ana Carolina de Azevedo e Raquel dos Santos Lima

Imagens da publicação: Ac. de Eziquio Neto; Youtube; Ac. de David Sousa; Álbum do Maranhão de 1908; internet; Site da prefeitura de Caxias; Google Maps

Colorização e Restauração: Brunno G. Couto