A história da casa onde nasceu Gonçalves Dias, nas matas do Jatobá #GD200

Quase um ano após o grito de D. Pedro I às margens do Ipiranga, é que a Vila de Caxias* passaria, enfim, a integrar o Brasil independente. Às 10:30h, daquele 01 de Agosto de 1823, os caxienses puderam ver hasteado no Morro das Tabocas (atual Morro do Alecrim) o lábaro verde e amarelo do Império do Brasil. Caxias foi a penúltima cidade* brasileira a aderir à Independência.

*Em 1823, Caxias ainda era denominada “Vila”, haja vista que só em 1836 é que fora elevada à categoria de Cidade.

Naquele dia, as forças independentes, formadas por brasileiros das Províncias do Ceará e Piauí, adentraram de forma triunfante em Caxias. Do outro lado, tendo à frente o comandante Luís Manuel de Mesquita, as tropas portuguesas depuseram as armas, desceram do morro para o campo de São José, onde, em forma, entregaram-se aos vencedores e procedeu-se a prisão do major Fidié, que havia sido enviado para combater os revoltosos independentes. Com a batalha já perdida, o militar não esboçou qualquer resistência, sendo levado para cidade de Oeiras (PI). Ato contínuo, o quartel do Morro das Tabocas foi ocupado pelas forças do capitão João da Costa Alecrim (que viria dar nome ao morro).

Como muitos portugueses – contrários a independência da cidade – habitavam Caxias, os partidários da causa independente estabeleceram condições de rendição: “que os proprietários da vila de Caxias, e termo, que não tiverem prestado donativos à causa pátria, serão obrigados a uma contribuição para pagamento do exército, que a sua toleima, o seu criminoso aferro às cortes de Portugal, e os procedimentos hostis do pérfido Fidié chamaram a este lugar.”

E entre esses multados estavam os irmãos portugueses Gonçalves Dias, João Manuel em um conto de réis e Estêvão em cem mil réis, sendo eles dos poucos que preferiram fugir a pagar. Por temor de represálias, o comerciante João Manuel, residente à rua do Cisco, optou por fugir para as terras que possuía nas matas do Jatobá, no sítio Boavista, em área pertencente à Vila de Caxias, distante cerca de 70 a 80 quilômetros. Para o seu refúgio, levou também a sua companheira e criada, de 25 anos de idade, Vicência Ferreira, cuja a gravidez, já em seus últimos momentos, deve ter dificultado ainda mais a viagem de quatorze léguas.

E assim, na casa das matas do Jatobá, dez dias depois, no dia 10 de agosto de 1823, veio ao mundo o poeta maior da princesa, Antônio Gonçalves Dias; fruto da mistura do sangue lusitano e mulato. A fazenda de João Manuel não era “daquelas cujas extensas casarias, cobertas de telhas, com varandas nas fachadas principais”. Pelo contrário, segundo o biógrafo e amigo de Gonçalves Dias, Henriques Leal, o imóvel era composto por um “tosca choupana de folhas de palmeira, como soem ser fabricados os nossos tijupabas [palavra indígena para pequenas cabanas], na mais completa solidão, no sombrio da mata virgem.”

Com poucos dias de nascido, o pequeno logo achou-se reduzido à só companhia da mãe, pois, mal refeita do parto, logo João Manuel, não confiando na segurança daquele local, viajara escondido dos independentes para São Luis, e dali para Portugal, onde permaneceu por uns dois anos. Apenas em 1825, quando o patriarca retorna à Caxias, é que mãe e filho voltam a residir à Rua do Cisco (Atual Fause Simão; mais conhecida como Benedito Leite), no centro da cidade.

Os eventos acima narrados são o pouco do que se sabe sobre essa fase da vida do poeta nas matas do Jatobá. Com o falecimento de João Manuel em 1837, e de sua esposa (O português nunca casou-se com Vicência, tendo abandonado a companheira, por volta, de 1829), Adelaide Dias, em 1877, é provável que o sítio tenha sido abandonado pela família. Ao que se sabe, a fazenda só voltou a aparecer no radar dos caxienses no ano do centenário de Gonçalves Dias, em 1923.

Nesse ano, era então prefeito de Caxias o sr. Francisco Vilanova. Em comemoração ao centenário do poeta, a autoridade resolveu localizar o antigo sítio Boavista e a respectiva “Casa Grande”. Guiado por moradores das vizinhanças do local, conhecedores do terreno, encontrou Vilanova as ruínas: restos de parede, alguns esteios de aroeira ainda de pé, cacos de louças em torno das ruínas e perto de um grande poço ou cisterna, quase completamente aterrado. Tudo estava localizado no meio do mato alto e denso, o qual mandou abater, pondo a descoberto as ruínas, de onde trouxe como recordação de valor, um batente ainda bem conservado, da porta de um dos aposentos interiores.

O prefeito dizia ter a intenção de comprar para o município aquelas terras, que, além do grande valor histórico, eram fertilíssimas; próprias para o trabalho agrícola, bem como para a fundação de uma escola. Contudo, ao deixar a chefia do executivo, ninguém mais cogitou por em prática a ideia, e o projeto caíra no esquecimento.

Ao entrar em contato com a historiadora caxiense Joseneyde Vilanova, que residiu por anos na residência que pertenceu a Francisco, no centro de Caxias, esta me relatou desconhecer a existência do batente recuperado pelo prefeito; haja vista não ter encontrado na residência nenhuma peça solta guardada como relíquia. 

A descrição fornecida por Vilanova acabou gerando um grande debate. Acontece que, o prefeito relatou ter encontrado as ruínas do imóvel, havendo, inclusive, localizado um batente; o que entra em confronto com a descrição de Henriques Leal, já que, se a casa fosse realmente uma “tosca choupana de folhas de palmeira” como relatou; no ano de 1923, cem anos depois, seria muito improvável ainda existirem vestígios, quanto mais um batente, que supõe uma construção mais sólida.

Ao deparar-se com o dilema, uma das mais famosas biógrafas do poeta, Lúcia Miguel Pereira (1901 – 1959), em seu livro “A Vida de Gonçalves Dias”, dissertou: “Entretanto, como só a tradição oral, ora por vezes falha, indicou ao sr. Vilanova o lugar do nascimento do poeta, nada se pode concluir com segurança. Não é, de resto, impossível que, embora possuindo boa casa de moradia na Boavista, cousa que lhe permitiria certamente a sua situação de comerciante próspero, João Manuel, medroso, a tivesse evitado, indo esconder-se nalguma cabana mais retirada nas suas terras.”

Dúvidas à parte, o certo é que o que ainda existia do imóvel continuou se deteriorando ainda mais, com o passar dos anos. Mais de vinte anos depois, em 1945, em artigo intitulado “A Casa de Gonçalves Dias”, o ex-prefeito de Caxias, Gentil Homem da Silva Brasil, publicou um alerta para a urgente necessidade de se reconstruir a casa do Jatobá para ser utilizada como um memorial. À época do texto, já não existia praticamente nada do que um dia fora aquela casa; e, apesar de ainda residirem nas proximidades daquela área primos e sobrinhos de G. Dias, de diferentes graus, estes eram muito pobres, o que os impossibilitava, ainda que desejassem, de realizar qualquer tipo de intervenção. Sobre o local, a autoridade escreveu:

“Conversamos novamente sobre a vida de Gonçalves Dias, que ele conhece bem. Do mesmo modo conhece o local onde existira a mansão nata do poeta. Lá estão os sinais evidentes da fazenda. O escalvado branco e duro do terreiro; as palmeiras centenárias mais além, cercadas de suas múltiplas descendentes e onde a copa verdejante tecem os seus ninhos os sabiás também imortalizados pelo exímio cantor das selvas.” (Clique aqui para ler o texto completo). Infelizmente, como se sabe, o projeto não viu a luz do dia.

Em 1949, após ser eleito presidente do “Centro Cultural Gonçalves Dias” (entidade ludovicense formada, em 1945, por jovens intelectuais maranhenses, da qual faziam parte, dentre outros, os escritores Ferreira Gullar e Lago Burnett), o prof. Nascimento Morais Filho, fervoroso admirador do poeta, volta a citar as terras do Jatobá. Ao ser questionado sobre os planos para aquele ano, o professor respondeu: “já reivindicamos para o nosso patrimônio histórico o lugar onde nasceu Gonçalves Dias, lugar que se achava quase que praticamente perdido nas matas do Jatobá”. Não se sabe ao certo quais eram os projetos do referido Centro, bem como que fim levou a ideia, mas é muito provável que esta, também, não tenha saído do papel.

Só em 1964, ano do centenário de morte de Gonçalves Dias, é que as coisas começam a tomar novos rumos. Nesse ano, o prefeito de Caxias, Numa Pereira, juntamente ao prefeito do município de Aleias Altas, Belino Machado, resolveu prestar uma homenagem ao poeta em seu local de nascimento. A colaboração de Belino fazia-se necessária, tendo em vista que, até 11 de fevereiro de 1962, Aldeias Altas era um povoado da cidade de Caxias, tendo, a essa data, vindo a ganhar o título de município. E as matas do Jatobá localizavam-se justamente na área de zona rural compreendida por essa nova cidade.

Para confecção da homenagem, fora escolhido o renomado escultor caxiense Mundico Santos. A ideia era construir um marco a ser instalado, em 3 de novembro de 1964, nas matas do Jatobá, simbolizando o local de nascimento de Gonçalves Dias (àquele ano, já não mais existia nenhum resquício da fazenda, muito menos do imóvel). E assim, na manhã do dia marcado, o totem comemorativo fora apresentado à população caxiense em solenidade realizada na praça Gonçalves Dias. Dalí, a estrutura saiu em comitiva para as matas do Jatobá, onde foi inaugurada na presença de autoridades e populares.

Com a inauguração do marco, os caxienses puderam ter uma noção de onde situava-se o sítio Boavista, local de nascimento de seu ilustre patrício. E dessa maneira, sem alterações, o monumento permaneceu por mais de 30 anos. Até que, no final da década de 1990, a prefeitura de Caxias realizou a doção do antigo busto do poeta que localizava-se na praça, que leva seu nome, para a cidade de Aldeias Altas – haja vista a substituição que seria feita. O monumento fora instalado em uma estrutura de concreto erigida ao lado do marco de 1964 (para ladeá-lo, outro totem idêntico ao de 64 também fora edificado, na ocasião). Posteriormente, o busto fora realocado na Praça Gonçalves Dias, no centro de Aldeias.

Em 2013, quando comemorou-se 190 anos de nascimento de G. Dias, o Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC), através de seu presidente, Arthur Almada Lima Filho, em parceria com a Prefeitura de Aldeias Altas, fixou na estrutura uma nova placa comemorativa. Além disso, substituindo o antigo busto, instalou-se, a pedido do prof. Passinho, uma nova imagem, de dimensões maiores, produzida pelo artista Laylson Coimbra. E assim, seguindo a tradição, sempre que ocorre a comemoração de alguma efeméride relacionada ao poeta, alguma nova inscrição vem a ser instalada na estrutura.

Em 2020, o “Portal Destaque do Maranhão” realizou uma reportagem mostrando o trajeto que leva ao marco do Jatobá no antigo sítio da Boavista, atual Morro da Laranjeira. Na ocasião, foram evidenciadas as condições de abandono em que se encontrava o local. Condições, essas, que, felizmente, foram revertidas com a sua devida revitalização para o bicentenário do ilustre poeta. Assista, abaixo:

Importante notar que, ainda hoje, o acesso ao local não é dos mais fáceis, o que nos leva a pensar nas dificuldades que enfrentaram os pais de G. Dias, há 200 anos, para chegar nessa área. Abaixo, o local do marco, nas matas do Jatobá, em imagens feitas em 2023 pelo fotógrafo caxiense David Sousa:

Atualmente, apesar de não mais existir o imóvel, e por conta do marco instalado, o local de nascimento do poeta vem recebendo excursões de diversos colégios da região, bem como a visita de turistas, universitários e pesquisadores que desejam conhecer um pouco mais sobre as origens do filho ilustre de Caxias.


Fontes de pesquisa: Livro “A Vida de Gonçalves Dias”/Autora: Lúcia Miguel Pereira; Livro “Gonçalves Dias – Coelho Neto”/Autor: Antonio Carlos Medeiros; Livro “O Fim e o Nada”/Autor: João Machado; Quadrinho “O Filho do Norte – Gonçalves Dias, O Poeta do Brasil”/Autor: André Toral; Livro “Efemérides Caxienses”/Autor: Arthur Almada Lima Filho; Jornais “Diário de São Luiz” “O Paiz”; Artigo “Campanha Pró-Imprensa Do Centro Cultural “Gonçalves Dias” Caderno Literário Nº 2: Um Olhar Crítico Para Os Primórdios Do Modernismo No Maranhão”/Autora: Natércia Moraes Garrido; Depoimentos de Joseneyde Vilanova e David Sousa; Youtube

O antigo desejo de um memorial dedicado à Gonçalves Dias #GD200


Em 2023 – mais precisamente, no dia 10 de agosto -, comemora-se 200 anos do nascimento de Antônio Gonçalves Dias. Em virtude de tamanha efeméride, durante este ano, o Arquivo Caxias fará postagens dedicadas a este ilustre filho de nossa terra. Para iniciar essa série, trago a transcrição desta matéria publicada no periódico “Diário de São Luiz do Maranhão”, em 28/04/1945, de autoria de Gentil Silva.

Gentil Homem da Silva Brasil foi prefeito de Caxias por um curto período, entre agosto e setembro de 1941. Seu governo foi tipicamente de transição, enquanto as coisas da política municipal tentavam se acomodar. Em seu texto, que veremos abaixo, o político já chamava atenção para o desprestígio que Caxias conferia ao poeta. Clamando, na oportunidade, após ouvir conselhos de um cidadão caxiense, que fosse criado um museu em sua memória, bem como que fosse reconstruída a fazenda que o poeta nasceu, nas matas do Jatobá.

Infelizmente, como sabemos, nenhum dos projetos foi concretizado até hoje, quase 80 depois! Vale lembrar que, à época da produção do referido texto, a residência a qual Gonçalves Dias cresceu, no centro da cidade, ainda se encontrava de pé; hoje, nem isso…

Segue a integra do texto:

A Casa de Gonçalves Dias

Prefeito municipal de emergência, em Caxias e coincidindo o meu curto período administrativo com a passagem da data do nascimento do maior lírico brasileiro e indianista americano, sentia-me no dever de encabeçar festejos comemorativos do dia 10 de agosto, o que de fato fiz, alma transbordante de satisfação, mau grado as próprias deficiências para ocupar-me do genial e iluminado cantor dos “Timbiras”.

Dispersava-se, a mocidade que acorrera, mais uma vez, às consagrações públicas anualmente tributadas à memória do imortal enamorado da natureza brasílica.

A comissão de festejos, agrupada ainda no local das comemorações, entretém-se em comentários ao êxito da iniciativa, desta como doutras vezes vitoriosa.

Nessa altura, aproxima-se dos presentes respeitável ancião, cabeça alva e descoberta. Era o velho fazendeiro Joaquim Rosa, um dos que acabavam de ouvir discurso e declamações e, algo emocionado, bem se o percebia, pelo numeroso coro de vozes infantis no entoar de vozes infantis da inigualável “Canção do Exílio”, dirige-se ao prefeito:

– Festa bonita, seu coronel…

“Coronel”, sim, porque para o habitante rural do Norte, as autoridades superiores do município, quando não adoutoradas em qualquer coisa ou ramo, tem que fruir ex-ofício, ou compulsoriamente, das vantagens honoríficas que eram concedidas aos antigos oficiais da extinta Guarda Nacional, de saudosa recordação, variando o “posto” segundo a ordem hierárquica e as aparências, no conceito roceiro.

– Eu sabia – continuou Joaquim Rosa – que esta festa ia realizar-se e vim à cidade para assisti-la.

Todos enalteceram a demonstração cívica de Joaquim Rosa que, animado, prosseguiu:

– Se todos os caxienses tivessem a noção exata desta legítima glória, – e apontou a modesta herma do autor do “Y Juca Pirama”, – a sua glorificação não ficaria somente nas homenagens…

E, Joaquim Rosa, reacender com vivacidade o cachimbo sarrento e tirar-se grossa baforada, continuou:

– É isso, e digo com firmeza e convicção. Conheço a obra maior dos poetas brasileiros. Os seus livros eu os adquiri na livraria Laemmert, do Rio de Janeiro, em 1896, por intermédio do meu compadre Trindade Vidigal.

Disse-nos ainda Joaquim Rosa que sabia de cor, além da “Canção do Exílio”, o “Canto do Piaga”, “Tabyra”, “Y Juca Pirama”, “Lenda de São Gonçalo” e outras poesias do grande mestiço brasileiro e as recitava aos netinhos nos serões da família.

– O senhor sabe onde moro?

Como a pergunta fosse para mim, respondi que não poderia atinar. Os meus companheiros entreolharam-se significativamente.

– No 2º Distrito, coronel, pertinho do Jatobá.

Matas do Jatobá, latifundiárias da antiga fazenda do mesmo nome, berço do grande vate americanista.

***

Ao anoitecer daquela mesma data, recebo a agradável visita de Joaquim Rosa, cuja identidade patriarcal, laborioso e honesta me fora revelada pelos meus companheiros de comissão.

Conversamos novamente sobre a vida de Gonçalves Dias, que ele conhece bem. Do mesmo modo conhece o local onde existira a mansão nata do poeta. Lá estão os sinais evidentes da fazenda. O escalvado branco e duro do terreiro; as palmeiras centenárias mais além, cercadas de suas múltiplas descendentes e onde a copa verdejante tecem os seus ninhos os sabiás também imortalizados pelo exímio cantor das selvas.

E dos parentes de Gonçalves Dias, sabe alguma coisa?

– Sim, de alguns tios, primos e sobrinhos, em terceiro grau, talvez; gente muito simples e pobre.

A seguir, Joaquim Rosa volta a aludir aos festejos da tarde. Repetiu, insistindo com certa veemência, que os caxienses poderiam concretizar essas homenagens anuais numa obra que recordasse mais ao vivo e permanentemente, a existência privilegiada do grande Aedo.

A uma pergunta sobre a glorificação imaginada pelo interlocutor, este responde com naturalidade:

– Não erguem-se templos aos taumaturgos?

Compreendi o que o velho sertanejo tentava formular uma analogia de cultos. E, para logo veio-me a lembrança do pavilhão envidraçado que o civismo bandeirante fez construir sobre o rancho de tábuas e zinco, onde Euclides da Cunha escrevera a epopeia de “Os Sertões”. Recordei-me também num instante, a “Casa de Ruy Barbosa”, onde os visitantes se emocionam ante a visão eterna do grande brasileiro.

Joaquim Rosa tem razão.

Porque não adquirir-se a propriedade do Jatobá, reconstituindo-se ali a casa de nascimento do poeta, como lembrança afetuosa e terno do autor das “Sextilhas de Frei Antão”?

A sugestão parece-me das mais aproveitáveis em virtude não somente do desenvolvimento espiritual que nos vai conduzindo a melhor e mais elevada compreensão estética, mas, também, encarado o assunto, se o quiserem, pelo seu lado realístico e utilitário.

É velha e justa a aspiração dos caxienses, o aproveitamento científico e industrial das águas termais de Veneza. Realizado que seja, esse importante empreendimento, poderiam concomitantemente concluídos os trabalhos de reconstituição do Jatobá a qual, de certo converter-se-ia num ponto obrigatório de turismo, atraindo ao velho município sertanejo, berço de tantas outras glórias nacionais, as elites da intelectualidade e da abastança brasileiras.

Então, poderá ser ali apreciado o ambiente simples e sugestivo da antiga mansão rural onde Gonçalves Dias abriu os olhos pela primeira vez, deu os primeiros passos e impregnou a alma juvenil da radiosa claridade de infinitos horizontes, do sonoro rumor das suas florestas, da música sutil e encantada dos passarinhos e do verdor mágico das várzeas acolhedoras.

Foi ali, entre tímido e contente das palmeiras, ainda pequeno, recebeu as impressões sadias, fortes e indeléveis das danças indígenas, ao ritmo das tabas e maracás.

Foi ainda lá, nas noites enluaradas que ele ouviu a história misteriosa dos “Piágas”, das lutas de tribos guerreiras, dos amores e conquista que serviram de motivo à sua futura e monumental obra de brasilidade que o mundo tanto enaltece e admira.

Poder-se-á organizar o Museu Gonçalviano, em ambiente apropriado, arrecadados os seus manuscritos e todas as demais relíquias que possam recordar a pessoa e a obra imortal americanista.

Trazendo à letra de forma o pensamento de Joaquim Rosa, estou que nenhum maranhense deixará de o aplaudir com calor.

Gentil Silva

A triste história da mãe e de uma das irmãs de Gonçalves Dias

Antônio Gonçalves Dias, o maior poeta caxiense, faleceu no dia 03/11/1864, no naufrágio do navio Ville Bologna. À época, sua mãe, d. Vicência Mendes Ferreira, não morava com o poeta, e sim com os filhos que tivera com outro esposo, eram eles: Maria Magdalena da Silva (a mais velha), Carlota, Raimunda e Sebastião Correia de Araújo; residindo no antigo Beco das Violas (Também conhecido como Rua das Tabocas. Atualmente chama-se: Rua Teófilo Dias), em Caxias. A situação da família não era nada fácil, necessitando do mínimo para subsistência.

De acordo com o historiador Arthur Almada Lima Filho, em seu livro “Efemérides Caxienses”, d. Vicência, mulher mestiça de origem indígena, foi concubina e funcionária do pai de Gonçalves Dias, o português João Manuel Gonçalves Dias (negociante abastado). Com os pais biológicos, residindo em um sobrado à Rua do Cisco (Atual Fause Simão), Gonçalves Dias passou os primeiros anos de sua infância. No endereço também funcionava a casa comercial do patriarca.


Sobrado da Rua do Cisco (Atual Rua Fause Simão; mais conhecida como Benedito Leite). Demolido na década de 1970. Imagem da década de 1950.

Em 1829, logo que se casou legalmente com d. Adelaide Ramos D’Almeida, pertencente a uma ilustre família de São Luis, o patriarca fez questão de trazer o pequeno Gonçalves Dias (que tinha por volta de seis anos de idade), para a sua companhia e da madrasta. Manuel e Adelaide tiveram mais quatro filhos: João Manoel, José Gonçalves, Domingos Gonçalves e Joana Gonçalves Dias (mãe do advogado e poeta Teófilo Dias).

O casal continuou a morar no imóvel à Rua do Cisco, enquanto D. Vicência teve que procurar uma nova residência (é quando passa a morar na atual Rua Teófilo Dias). Informações de pesquisadores dão conta de que ‘seu’ Manuel proibiu o filho de visitar a sua verdadeira mãe, a qual reencontraria somente quinze anos depois. Após o falecimento do pai, em 1837, o jovem passou a ser criado por d. Adelaide Dias (falecida em 02/03/1877, em Caxias).


Residência de d. Vicência à Rua das Tabocas (Atual Teófilo Dias). Após o falecimento da matriarca, a filha, Maria Magdalena, continuou residindo nessa casa. Anos depois, o imóvel fora demolido. Imagem: Registro feito pelo IPHAN, provavelmente, da década de 1940.

Desde a morte de Gonçalves Dias, autoridades, sabendo das condições de d. Vicência, passaram a enviar mesadas para ajudar em suas despesas; o cidadão Antônio Henriques Leal fora um desses benfeitores. Vale lembrar que, no dia 24/03/1866, pouco mais de dois anos após a morte do filho, d. Vicência, herdeira de Gonçalves Dias – talvez por falta de instrução ou por pressão exterior -, cedeu, “de forma gratuita, plena e inteira”, os direitos de propriedade das obras inéditas e impressas do poeta à viúva do filho, Olympia Gonçalves Dias.

Olympia Gonçalves Dias.

Segundo o IMS: “Olympia, filha do doutor Cláudio Luis da Costa, fundador do Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, casou-se com Gonçalves Dias em 1852, quando o poeta amargava a recusa de seu pedido de casamento feito à mãe da jovem Ana Amélia Ferreira do Vale, por quem nutriu uma grande paixão. A união de Olympia e Gonçalves Dias durou quatro anos infelizes, e dele nasceu uma filha, Joana, que morreu antes de completar dois anos”.

A mãe biológica do poeta faleceu aos 81 anos, em 1879; sendo, no dia 15 de novembro, sepultada no cemitério de N. S. dos Remédios, em uma cerimônia que reuniu diversas autoridades e populares caxienses. Nos últimos anos de sua vida, a matriarca passou a viver de uma pensão concedida pelo Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, autoridade que também financiou o seu funeral.

Após a morte da mãe, Maria Magdalena da Silva, uma das irmãs de Gonçalves Dias pelo lado materno, continuou residindo no imóvel da família: uma casa simples de meia morada, com duas janelas em direção à rua (imagem acima). Em 1884, ao fazer uma visita à Caxias para a instalação da rede telegráfica, o engenheiro Guilherme Schüch (o Barão de Capanema) desejou conhecer a família do renomado poeta caxiense. Ao se dirigir a Rua das Tabocas, ficou espantado com a crítica situação financeira em que vivia a irmã de uma importante figura nacional. Na ocasião, deixou com Maria uma significativa ajuda financeira.

Comunicado, publicado no jornal Diário do Maranhão, em 1886, informando sobre o montante arrecadado em favor de Maria Magdalena.

Nesse mesmo período, a situação de penúria vivida por Maria estampou as páginas do jornal Echo Liberal, de Caxias. Tão logo a notícia fora espalhada, alguns cidadãos da capital do estado tomaram ciência da situação. Assim, determinados cavalheiros promoveram uma subscrição em favor da irmã de Gonçalves Dias, obtendo uma quantia perto de 200 mil réis. O montante garantiu a subsistência de Maria pelo período de um ano. Ao mesmo tempo, promoveram no Rio de Janeiro uma subscrição para o mesmo fim. Contudo, a ação não logrou êxito, tendo em vista que alguns cidadãos levantaram dúvidas se Gonçalves Dias teria, realmente, uma irmã.

No ano de 1886, diante das alegações de que Gonçalves Dias só tinha uma irmã, e esta se chamava Joana Gonçalves Dias, uma comissão (formada por: José do Rego Medeiros, Antônio de Sousa Coutinho e Francisco dos Reis Aguiar) soltou uma nota no jornal Pacotilha atestando que o poeta tinha mais irmãos pelo lado materno. Dizendo em certa altura da publicação: “Ora, se os filhos da madrasta do poeta são considerados irmãos, não vemos razão nenhuma para que o não sejam igualmente os filhos de sua própria mãe”.

Em 1886, conforme nota publicada no jornal Pacotilha (MA), dos quatro filhos de Vicência, só estava viva a filha mais velha, Maria Magdalena.

Em 1887, o jornal Gazeta noticiava que a irmã do poeta, impedida de trabalhar por conta da idade (já sexagenária), andava, de porta em porta, pedindo esmola nos lares de Caxias. A última notícia que se tem de Maria Magdalena data do ano de 1891, quando o Conselho da Intendência Municipal de Caxias mandou ser concedido mensalmente um auxílio de 10$ em seu favor. A casa da antiga Rua das Tabocas ainda ficou de pé por alguns anos; o IPHAN, por volta da década de 1940, chegou a fotografá-la. Tempos depois, o imóvel fora demolido. Atualmente, quem passa por aquele logradouro nem imagina que, um dia, ali habitou a mãe e irmãos do filho mais ilustre de Caxias. Dona Vicência, não fora homenageada nem como nome da via que, atualmente, leva o nome do sobrinho de Gonçalves Dias, o também poeta, Teófilo Dias.


Fontes de pesquisa: Jornal Pacotilha; Livro Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto; Livro Efemérides Caxienses/Autor: Arthur Almada Lima Filho; Jornal O Paiz; Depoimento de Daniel Lemos; Jornal A Luta Democrática; Anais da Biblioteca Nacional (RJ); Correio IMS; Jornal do Comércio (RJ); Jornal Gazeta; Diário do Maranhão.

Imagens da publicação: Ac. do IPHAN; Internet; Ac. IMS; Jornal Diário do Maranhão

Restauração e Colorização: Brunno G. Couto

A História da Escultura de Gonçalves Dias

O busto no ano de sua inauguração. Ao fundo. a Rua Benedito Leite.

As inauguração da Praça Gonçalves Dias, no centro da cidade, juntamente ao busto do poeta homônimo, ocorreu no dia 07/09/1922, dia do centenário da independência do Brasil. O busto inaugurado na ocasião, fora confeccionado, em bronze, pelo escultor pernambucano Honório da Cunha e Mello.

A estrutura de sustentação não era muito alta, bem como não tinha qualquer grade de proteção; sendo usuais fotografias de caxienses ao lado da escultura. A estrutura permaneceu sem nenhuma alteração por mais de quarenta anos.

Senhoritas caxienses posam ao lado do monumento do poeta, no ano de 1936.

Só durante a administração do prefeito Numa Pompílio, em 1964 – ano em que se completavam 100 anos da morte do poeta -, é que fora acrescido, pelas mãos do artista plástico caxiense Mundico Santos, pouco mais de um metro em altura ao pilar que sustentava o busto. Sendo reinaugurado em 28/10/1964. Também, alguns anos depois, foram colocadas grades protetoras em volta do monumento.

Quando Aluízio Lobo era o Prefeito de Caxias encomendou a Mudico, quatro bustos a serem dispostos na Praça do Panteon. Para fazer o de Gonçalves Dias, Mundico utilizou como referência o busto da praça do poeta, que guarda intensa semelhança à obra de Honório da Cunha.

Em tempos em que o vandalismo não predominava nas ruas, as pessoas podiam se aproximar do busto para tirar fotografias, haja vista a inexistência de qualquer grade protetiva. Fotografia da década de 1930.

No ano de 1998, em vista das festividades de 175 anos do nascimento do poeta, o Prefeito Ezíquio Barros Filho decidiu realizar um concurso para um novo monumento em tamanho natural.  O vencedor fora o artista piauiense Paulo Pelicano. Com a demora na entrega, outro artista do Piauí ficou responsável: Will Silva (que também é o responsável pelo painel caricatural localizado atrás da lanchonete Senadinho).

Monumento atual, confeccionado em 1998. Como na imagem, vez ou outra ele aparece sem o pergaminho nas mãos (mas, já fora restituído).

O artista, além de confeccionar a estátua, esculpiu, em relevo, uma cena de um poema de Gonçalves Dias, com índios em seu habitat. Além disso, a escultora fora assentada em um pilar em forma de pergaminho. O novo monumento em homenagem ao poeta, não agradou a todos. Algumas pessoas ainda reclamam da altura da estátua, que, com 1,49 m, representaria um Gonçalves Dias nanico.

O antigo busto, em bronze, de 1922, fora doado pela Prefeitura ao município de Aldeias Altas, onde, até hoje, se localiza (imagem abaixo).

O busto original, de 1922, localizado atualmente na Praça Gonçalves Dias, do município de Aldeias Altas (MA).

Fonte: Livro: Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto/Ano: 2020

Imagens da publicação: Biblioteca Benedito Leite; Revista Fon!Fon!; Site de Eziquio Barros Neto; Acervo de Brunno G. Couto

Restauração: Brunno G. Couto

Processo de Restauração e Colorização

Pequena amostra do processo de restauração e colorização. Arraste a bolinha para os lados, para ver o antes e depois.

Fotografia da década de 1920.