Sexta-feira, 28 de outubro de 1966. Noite de festa no Cassino Caxiense. Depois de vários dias de espera, era chegada a ansiada hora. Finalmente, os jovens caxienses estavam assistindo ao show da popular banda paulista The Clevers. Com cabelos caindo na testa, terninhos padronizados e “atitude rock ‘n roll”, os garotos eram muito prafrentex à uma Caxias habituada aos costumes mais tradicionais. Resumindo: a banda era o bicho! Mora?
O grupo foi contratado para tocar em um dia especial: a reabertura do C.R.C. (Clube Recreativo Caxiense; denominação que o Cassino passou a ter na década de 1960), que agora estava sob nova administração, e inauguraria, na oportunidade, o seu novo balcão-frigorífico. E como fora noticiado em um jornal do período, o Cassino “agora era dirigido por uma turma de jovens vontadosos“. Fazendo jus a alarmada jovialidade, nada melhor que reabrir as portas do clube com uma banda que estava na crista da onda.
E assim se dera. Ao som de músicas como “Não acreditei” (vídeo abaixo), os jovens dançavam e cantavam em coro. Diversão pura. Mas, além da simples diversão, para um grupo de seis amigos, fãs da banda, que assistiam maravilhados ao espetáculo, aquele show representava algo mais: uma possibilidade; um antigo desejo. O sonho era possível.
Quem eram esses jovens? Eram eles: Ribamar Palhano (Riba), Francisco Santos (Chico), Paulo Correa, José Carlos Santos (irmão de Francisco Santos), Gerardo Vidigal (Taqueira) e Alderico. Todos na faixa dos 20, 21 anos, vindos de famílias tradicionais de Caxias (Zé Carlos e Francisco são naturais de Barra do Corda).
Ainda estudantes do, antigamente, chamado “segundo grau científico” no Colégio Diocesano (nessa época, a instituição ainda era exclusiva para meninos), os garotos, na hora do intervalo, já sabiam para onde deveriam ir: a sala de instrumentos. Ali mesmo improvisavam um som. Paulo assumia os vocais; para ele a música não era de todo estranha, afinal, era sobrinho do professor de Música Adelmo Guimarães (irmão do pe. Aderson). Riba e Gerardo também tinham o gosto pela música correndo nas veias, tendo em vista que seu bisavô, Raimundo Ferreira Vilanova, havia tido uma orquestra. E os outros garotos possuíam já alguma intimidade com alguns instrumentos, pois tocavam nos desfiles cívicos de 7 de setembro, do colégio.
Mas os minutos de intervalo não eram suficientes, o que levava os garotos a se reunirem à Praça Gonçalves Dias. Para o instrumental, o violão de Paulo bastava. Cantando os sucessos da época, os jovens ficavam até altas horas da noite nos bancos da praça. Era a época de bandas como The Beatles e The Beach Boys, para citar as internacionais. No Brasil, o ritmo conhecido como “iê, iê, iê” logo chegou às paradas do rádio, e nomes da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ronnie Cord e Wanderleia, não saiam da boca dos mais jovens. E essas foram algumas das inspirações para o sexteto de amigos.
Aquele show do The Clevers atiçou ainda mais a antiga vontade de montar uma banda de rock. No ano seguinte, em 1967, o grupo deu vida à ideia e começou a se organizar. A divisão de instrumentos foi a seguinte: Paulo assumiria os vocais e guitarra-solo; José Carlos, guitarra-base e segunda voz; Chico, contrabaixo e voz; Riba e Taqueira, bateria (um tocava a primeira parte da festa, enquanto o outro fazia percussão; na segunda parte da festa, revezavam). Alderico (filho da professora Miroca), devido a restrições impostas pela família, não pôde participar do grupo.
E qual seria o nome da banda? “The Bats” (Os Morcegos, em tradução literal) foi o escolhido. Com um nome internacional, o nome dos integrantes deveria ser em inglês, pensaram. Agora, Riba era “Mike”; Chico, “Francis”; Paulo, “Paul”; Zé Carlos, “Charles”; e Gerardo, “Snake”.
E os instrumentos? Nada que um improviso não resolvesse. Para tanto, contaram com os serviços de Mário Beleza, tradicional músico caxiense que também exercia o ofício de marceneiro. Seguindo as ideias apresentadas pelos jovens, Mário, como podia, dava vida aos instrumentos, já que não tinha muita experiência no ofício de luthier. No início, nem tudo saiu como o planejado. Os primeiros instrumentos produzidos por Beleza logo apresentaram problemas em sua confecção, o que impossibilitava o uso. Após os erros iniciais, as falhas foram sendo ajustadas. Já para a elétrica dos aparelhos – parte responsável pela saída do som nos amplificadores -, os amigos contaram com a ajuda de um técnico em rádio de nome Felipe.
Contando com o total apoio do presidente do Cassino, Getúlio Silva (filho do casal Alderico e Dinir), o The Bats poderia ensaiar nas dependências do clube, bem como realizaria sua primeira apresentação no local. Após as devidas preparações, enfim o grupo fez a sua apresentação de estreia, em uma noite de Sábado, nas dependências do Cassino. Já saudosos dos The Clevers, os caxienses foram, em peso, prestigiar os jovens estreantes. No repertório, covers dos artistas de sucesso da época (músicas de “Renato e Seus Blue Caps” eram recorrentes). Com o sucesso do show, foi marcada uma segunda apresentação para o dia seguinte, a ser realizada na AABB (que ainda funcionava no centro da cidade).
Com o êxito do grupo, Getúlio Silva se comprometeu a adquirir novos instrumentos à banda, que viriam de Fortaleza. Em contrapartida, o The Bats faria apresentações no restaurante (extinto na década de 1970) do balneário Veneza, o qual o bar era arrendado ao Cassino Caxiense. E assim se dera. Todo o sábado à noite, show no Cassino; Domingo, pela manhã até uma 15h, show na Veneza. Cumprindo a promessa, algum tempo depois, com a presença do então prefeito de Caxias, Aluízio Lobo, os novos instrumentos foram entregues aos músicos.
Após alguns shows, o The Bats já era sucesso na cidade. Sendo que, ao final de uma dessas apresentações, um empresário artístico foi procurá-los, oferecendo os seus serviços. Ambas as partes de acordo, negócio fechado. Com a entrada desse empresário, as coisas ficaram mais profissionais. Primeiro que o agenciador venderia a banda como sendo de São Luis, o que, a seu ver, facilitaria a contratação por outras praças. E a estratégia parece que deu resultados, já que o que antes era restrito à Caxias e região, passou a incluir no roteiro diversas cidades do Piauí e Maranhão (como: Presidente Dutra, Barra do Corda, São Domingos etc.). A logomarca do grupo, caracterizada por um morcego, além de estar presente no bumbo da bateria, foi pintada na Kombi que rodava com o grupo em shows nas outras cidades.
Para mostrar que levavam o sonho à sério, o quinteto providenciou “uniformes” para os shows, tal qual os grupos da época; sendo, estes, confeccionados pelos próprios familiares. De estampas floridas à jaquetas similares as dos Beatles, a banda ousava. Ribamar foi além. Inspirado em uma capa de disco de Roberto Carlos, pediu ao irmão Antônio, sapateiro, que fizesse uma bota idêntica à do cantor.
A cabeleira do grupo causou estranhamento aos menos habituados, haja vista a nota humorada emitida em um jornal da cidade: “Acredito que para se tocar guitarra ou seja lá o que diacho for de nada servem os cabelos. Mas eles [o grupo The Bats] são donos deles e naturalmente não querem servir de peruca para ninguém…”
Em determinada ocasião, o Cassino contratou uma banda de grande sucesso do Rio de Janeiro chamada “Ivanildo e Seu Conjunto”. Mas, para a surpresa dos organizadores, nada saiu como o esperado. Logo que a banda começou a tocar os primeiros acordes, os “pés-de-ouro” (dançantes) começaram a reclamar. Queriam algo que balançasse mais o esqueleto, afinal, eram tempos de rock! Não teve jeito, dispensada a banda, os Bats foram contratados para substituir o conjunto.
Foram meses intensos de apresentações, o que proporcionou aos jovens, além de uma renda razoável, muita diversão. E como tudo que é o bom dura pouco, com o The Bats não foi diferente. Após oito meses de carreira, chegava ao fim o grupo. Mas o término já era meio que esperado.
Objetivando concluir as suas respectivas formações acadêmicas, os amigos tiveram que se separar, já que cada um rumou para uma cidade diferente. Dos cinco, apenas Riba continuou em Caxias, onde integrou por algum tempo o conjunto Os Naturais – depois, mudou-se para São Luis.
Como muitos conjuntos caxienses da época, o The Bats, infelizmente, não deixou nenhum tipo de registro fonográfico.
Hoje, mais de cinquenta anos após o encerramento do The Bats, muitos caxienses são saudosistas ao lembrar da banda. Já setentões, cada um dos cinco integrantes do grupo, atualmente vive em cidades diferentes do Brasil. Ao que se sabe, nenhum deu prosseguimento à carreira musical, e nunca mais reuniram-se após o fim da banda. Uma reunião já foi tentada pelos organizadores da tradicional festa da “Velha Guarda Caxiense”. Contudo, segundo Ribamar Palhano (quem eu entrevistei para essa matéria), o reencontro é improvável, não sendo possível por questões logísticas e pessoais de cada integrante. Torçamos para que, um dia, esse reencontro aconteça, nem que seja one night only!
Fontes de pesquisa: Depoimento cedido, gentilmente, por Ribamar Palhano; Livro “Cartografias Invisíveis”/Capítulo de autoria de Nonato Ressurreição; Jornal “Folha de Caxias”
Imagens da publicação: Créditos nas imagens
Entusiasta da história de Caxias e amante da fotografia. Criador da página e do site Arquivo Caxias.
VALEU AMIGO BRUNO COUTO FOI MUITO INTERESSANTE
Que incrivel, cada vez mais fico surpreendida em conhecer a história da nossa cidade. Eu também espero por um encontro, nem que seja virtual. <3
Sensational Couto. Eu na epoca morava em Pedreiras e lcontratamos a banda pra tomar na AABB. Foi um grande sucesso. Ainda hoje me lembro. A Festa foi até o amanhecer. Sucesso total. Gostaria de ver um antigone desses sobre Os Naturais que também to aram na AABB com grande sucesso.