O Primeiro Mirante de Caxias

Atualmente, uma das grandes atrações turísticas de Caxias é, sem dúvidas, o seu mirante. Inaugurado em 2018, o “Mirante da Balaiada” localiza-se em uma área histórica: no alto do Morro do Alecrim. Mas o que poucos sabem é que este não fora o primeiro local do gênero a ser instalado na cidade. E é esta a história que narrarei na postagem de hoje; para tanto, precisaremos retornar alguns anos no tempo – 200 anos, para ser mais preciso.

Pronto, agora estamos no ano de 1823. Há quase um ano Brasil tornara-se um país independente. Caxias, no entanto, por sua ampla população portuguesa, relutava em aderir à independência brasileira. Defendendo os seus aliados lusitanos, estava o Exército Português comandado pelo militar João José da Cunha Fidié. Do outro lado, o Exército Brasileiro sob o comando de José Pereira Filgueiras, vulgo “Napoleão das Matas”.

Sob as ordens de Filgueiras, a sua tropa (em sua maioria, voluntários munidos de chuços, lanças, facões e poucas armas de fogo) realizou o conhecido “Cerco de Caxias”, a qual almejava tomar a cidade das mãos lusitanas. E assim, instalaram-se estrategicamente na região do então Arraial do Atoleiro. Fidié, por outro lado, havia instalado o seu exército no Morro das Tabocas (atual Morro do Alecrim), área que lhe possibilitava ter uma visão privilegiada da cidade. Por não dispor de tempo suficiente, Fidié erigiu, às pressas, no local, o seu Quartel General (feito de pedra, sem reboco e com cobertura de palha).

O cerco teve início a 23 de maio de 1823. Algum tempo depois, em 17 de julho, Fidié fora informado por um caboclo – que conseguira romper o cerco e chegar a Caxias -, de que a Divisão Expedicionária, constituída de forças do Ceará e Piauí, já havia atravessado o Parnaíba. O major Fidié, antevendo o fortalecimento dos independentes com a eminente chegada de reforço, resolveu desalojá-los da região do Atoleiro, atacando-os de imediato. Seguro de seu poderio bélico (dispunha de mais de 20 canhões alocados no alto dos morros das Tabocas e da Pedreira), bem como da qualificação de sua tropa, o militar português não esperava contar com tanta resistência. Previsão que se mostrou bastante equivocada.

"O Morro da Pedreira era toda essa elevação que ia desde o atual bairro Castelo Branco (próximo ao Cemitério dos Remédios) até o bairro da Volta Redonda. Mas aquele cume em especifico era chamado de Taboca. Acredita-se que o nome é devido a grande quantidade dessa vegetação encontrada naquele ponto" (fonte: Blog de Eziquio Barros Neto)

O cerco perdurou até 31 de julho, quando as forças independentes adentraram de forma triunfante em Caxias. Do outro lado, as tropas portuguesas depuseram as armas, desceram do morro para o campo de São José, onde, em forma, entregaram-se aos vencedores. Em seguida, procedeu-se a prisão do major Fidié. Com a batalha já perdida, o militar não esboçou qualquer resistência, sendo levado para cidade de Oeiras (PI). Ato contínuo, o quartel do Morro das Tabocas foi ocupado pelas forças do capitão João da Costa Alecrim (que viria dar nome ao morro).

Já independente, alguns anos depois Caxias voltaria a ser palco de mais uma batalha. Agora, já estamos no ano de 1840 e a Princesa encontra-se sitiada pelos balaios. Para combatê-los, foi enviado o militar Luis Alves de Lima e Silva, o futuro “Duque de Caxias”. Como fortaleza, construiu no, já histórico, Morro um novo Quartel – diferentemente do de Fidié, este era bem maior, melhor estruturado e possuía construção mais sólida.

O Capitão Ricardo Leão Sabino (militar e professor caxiense) ficou encarregado da artilharia e do entrincheiramento das ruas. Objetivando arquitetar uma ofensiva de peso aos balaios, descobriu no lastro de embarcações, que estavam no Porto de Caxias, e no fundo de antigos armazéns, velhos canhões portugueses “abandonados e carcomidos”. Artilharia, esta, herdada da já mencionada Guerra de Independência de Caxias, ocorrida quase 20 anos antes.

E o resto, como se sabe, é história.


Com o fim da Balaiada, a edificação erigida pelo Duque de Caxias passou a funcionar por algum tempo como o Quartel da cidade. Não obstante a sua utilidade, como o passar dos anos quase nenhuma manutenção foi realizada em sua estrutura – apesar dos sucessivos apelos emitidos -, o que, por volta do início do século XX, o levou ao completo abandono. Com o Forte em ruínas, aquele caminho centenário também sofreu com o descuido, passando a ser utilizado por caçadores de passarinhos, corajosos casais de namorados ou para pontuais eventos civis, militares e religiosos.

Em 1914, quando de passagem por Caxias, o 1 Tenente Álvaro Peixoto de Azevedo, em texto publicado no jornal Pacotilha, lamentava não ter tido tempo de visitar o Morro do Alecrim, onde, fora informado, existiam “os vestígios das lutas que se deram no tempo da Balaiada”. Em seu artigo, dizia: “Os velhos canhões, que ali jazem em abandono, cobertos pela ferrugem, oriunda da ação destruidora dos tempos (…)”.

O relato de Peixoto de Azevedo é de grande importância, pois nos informa que, àquele ano, quase um século após a batalha de independência, já se tinha conhecimento da existência dos velhos canhões, os quais, apesar do descaso, resistiam a ação do tempo.

Quando das comemorações do centenário da Independência de Caxias, em 1923, uma grande festividade fora organizada pelo Poder Público. Assim sendo, no dia 1 de agosto, às 7h, realizou-se, no alto do Morro do Alecrim, uma missa pelo padre Arias Cruz. Na oportunidade, com toda solenidade, fora fixada no local a centenária cruz, que 1823 serviu para o ato de juramento de rendição. Além disso, segundo periódico da época, “uma peça de artilharia, utilizada pelos revoltosos nos combates de 1823, foi assentada agora no alto do morro, salvando de momento em momento, desde o amanhecer”. Acredita-se que essa peça seja o velho canhão mencionado anteriormente, que na ocasião foi transferido para as proximidades do local onde também fora instalada a cruz.

Em 1928, o padre coadjutor e escritor Joaquim de Jesus Dourado, após visitar o Morro do Alecrim, escreveu em uma de suas crônicas: “(…) A meus pés, junto ao cruzeiro, um velho canhão a relembrar lutas sangrentas, fogos e batalhas, num desespero cruel de causa morta. Mais adiante, por entre ramarias, num grito petrificante – pedaços de parede, pedras aos montões, colunas carcomidas – um assombro de tristezas! (…)”. Cinco anos depois, em 1933, Eurico Bogéa também dissertou sobre o local: “(…) Ali se vêm os escombros seculares do quartel e um velho canhão silencioso, ao relento, desafiando a pátina do tempo”

Dos dois relatos acima, bem como de uma foto feita pelo IPHAN nessa época (abaixo), é possível concluir que, até então, o canhão jazia ao chão, sem nenhum tipo de proteção ou estrutura que demonstrasse a sua importância histórica. Mas, como veremos, essa situação mudaria logo, logo.

Em 1939, era prefeito em Caxias o engenheiro Alcindo Cruz Guimarães, e, àquele ano, seriam comemorados os 50 anos da Proclamação da República. Sabedor da importante efeméride, a autoridade projetou um monumento comemorativo a ser instalado no alto do Morro do Alecrim, no início da via (na época, já melhorada), onde havia sido instalada a centenária cruz.

Recebendo o nome de “Monumento à Independência”, a obra fora inaugurada em 15 de novembro de 1939, consistindo em uma curta mureta de concreto, onde sobre sua estrutura assentou-se o velho canhão, um mastro com a bandeira do Brasil, a centenária cruz e um poste com luz elétrica. Era um mirante natural localizado 66m acima do nível do mar, onde era possível ter uma visão de 30° de Caxias.

Além disso, ostentava uma placa com os dizeres: “À memória de João da Costa Alecrim e seus denodados companheiros na luta pela Independência”. Nas laterais da estrutura de concreto que exibia o canhão, o nome do então Interventor Federal do Maranhão, Paulo Ramos, e do prefeito, Alcindo Cruz. Na parte frontal, um dístico em homenagem ao Duque de Caxias. Pensando nas missas campais que ali seriam celebradas, projetou-se um pequeno espaço, entre a cruz e o canhão, para que, quando necessário, ali fosse instalado um altar provisório.

Com essa nova construção, e com as melhorias feitas naquela via, a população começou a frequentar mais aquele local; fosse apenas para admirar a vista e bater papo, fosse para posar para registros fotográficos. Agora, os caxienses poderiam admirar a vista que Fidié e Caxias tiveram mais de cem anos antes.

Em 1952, através de lei municipal, a Prefeitura doou um terreno medindo 1.600 m, no ponto mais alto da cidade para a instalação do equipamento da Rádio Difusora Mearim S/A. Sendo inaugurado no ano seguinte, o imóvel transmissor da rádio localizava-se logo atrás do Monumento à Independência. 

Sem muitas alterações – apenas a cruz que mudou de lado, e a remoção do mastro da bandeira – o monumento permaneceu no mesmo local, durante anos. Na década de 1960, sofrendo pela falta de manutenção, a sua estrutura de concreto já estava bastante comprometida. Diferentemente do canhão, a cruz de madeira sofria bem mais pela falta de conservação, tendo a inscrição “INRI”, localizada em seu topo, sido extraviada.

Ao assumir, em 1966, a Prefeitura de Caxias, o tenente Aluízio Lobo tinha como meta de governo a abertura de uma moderna avenida no lugar da antiga trilha. Obra que a seu ver se fazia necessária, tendo em vista que, apesar do local já ter tido algumas melhorias, até aquele momento o trajeto de subida ao Morro do Alecrim não era dos mais fáceis. Sobre esta dificuldade do trajeto, destacou o prof. cearense J. Figueiredo Filho, em 1961, quando de sua visita a Caxias:

E assim, além da almejada avenida, fora construído um amplo conjunto habitacional; o que, infelizmente, gerou consequências irreversíveis para a preservação da história da cidade. Ocorre que, no decorrer das obras, parte das ruínas e do sítio histórico acabaram sendo destruídos. Além disso, o antigo monumento à independência também foi posto ao chão.

Contudo, apesar dos pesares, foi através da urbanização daquele local que as históricas ruínas começaram a receber atenção e o cuidado de preservação que mereciam. No local do antigo mirante, outra construção do tipo fora erguida. Desta vez, não se tinha mais um monumento, e sim um pequeno banco de concreto e algumas barras de segurança, onde os caxienses poderiam ter um pouco mais de comodidade ao admirar a bela vista da cidade (Anos depois, nesse local, funcionou o restaurante “Balaiada”).

Além do novo mirante (o segundo de Caxias), Aluízio Lobo, em 1969, inaugurou no Morro do Alecrim a praça Duque de Caxias. Com busto e estrutura frutos das mãos do artista Mundico Santos, na partes laterais foram colocados dois canhões – não se sabe o paradeiro da cruz centenária. Um deles era o que ficava no antigo monumento demolido.

Mas você, caro leitor, pode estar se perguntando: “E o segundo canhão, de onde veio?”

Apesar desta tese ainda não ter sido confirmada, supõe-se que, quando das obras realizadas por Aluízio Lobo – onde muita terra e mato fora retirado daquele local histórico -, tenha sido descoberto esse segundo canhão “de alma-lisa” (termo utilizado para designar os canos de arma de fogo, cuja parte interna é lisa; ou seja: sem estriamento de qualquer tipo), estando este em piores condições de conservação que o primeiro. O que justificaria a sua não utilização no monumento original de 1939.

De lá para cá, passaram-se longos anos, e só no início dos anos 2000 é que o local sofreria significativas alterações. É quando o Poder Público constrói o “Memorial da Balaiada”. Local onde foram reunidos diversos artefatos pertencentes ao episódio histórico que dá nome ao museu. Contudo, é apenas em 2018 que Caxias volta a ganhar um novo Mirante. Diferentemente dos anteriores, este conta com uma estrutura bem maior, mais moderna e organizada, o que possibilita aos visitantes um ângulo de visão mais privilegiado. O local também conta com vários quiosques, além de regularmente receber diversificadas atrações culturais.


FONTES DE PESQUISA:

Jornais – “O Cruzeiro”, “O Combate”, “Pacotilha”, “Diário de S. Luiz”; “Jornal de Caxias”; “Folha do Povo”; “Nossa Terra”

Publicação – “Ligeiras Notas sobre João da Costa Alecrim”/Revista do Instituto do Ceará; 1944/ Antônio Martins Filho

Sites -IBGE; Blog Eziquio Neto

Depoimento da historiadora Mercilene Barbosa (Diretora do Memorial da Balaiada)

Livros – “Efemérides Caxienses”/Arthur Almada Lima Filho; “A Balaiada”/Rodrigo Octávio; “Por Ruas e Becos de Caxias”/Eziquio Barros Neto; “Cartografias Invisíveis”/Vários Autores; “Balaiada – A Guerra do Maranhão”/Iramir Araujo, Ronilson Freire e Beto Nicácio

IMAGENS:

Wikipédia; AC. Memorial da Balaiada; Quadrinho “Balaiada – A Guerra do Maranhão”; AC. IPHAN; Jornal “O Cruzeiro”; AC. IBGE; AC. IHGC; Facebook; Jornal “Nossa Terra; AC. do Autor; caxiasmaranhaoma.blogspot.com

Quando Coelho Netto foi parar nos quadrinhos


Na década de 1950, baseado nas revistas americanas “Classics Illustrated” e “Classic Comics”, a editora brasileira EBAL começou a editar mensalmente o título “Edição Maravilhosa”, visando publicar adaptações para os quadrinhos dos grandes clássicos da literatura universal.

Nas primeiras 23 edições, a EBAL publicou histórias importadas. Já na edição 24, o jornalista Adolfo Aizen, fundador da editora, encomendou ao haitiano André LeBlanc, que adaptasse o livro “O Guarani” de José de Alencar. A iniciativa mostrou-se um sucesso. Dessa forma, após escalar uma grande equipe de renomados artistas para a publicação, passou a focar na quadrinização de obras da literatura brasileira.

E assim, em agosto de 1957, na edição n°154, foi a vez do caxiense Coelho Netto ser adaptado para uma nova mídia. Para tanto, fora escolhido o seu famoso romance “A Conquista”. Com desenhos do aclamado ilustrador Nico Rosso, a obra – de pouco mais de 50 p. -, completou, em 2023, 66 anos.

Para quem quiser ler o quadrinho, é só clicar aqui para fazer o download.

01 de Agosto de 2023, 200 anos da Independência de Caxias do domínio Português

Quase um ano após o grito de D. Pedro I às margens do Ipiranga, é que Caxias passaria, enfim, a integrar o Brasil independente. Às 10:30h, daquele 01 de Agosto de 1823, os caxienses puderam ver hasteado no Morro das Tabocas (atual Morro do Alecrim) o lábaro verde e amarelo do Império do Brasil. Caxias foi a penúltima cidade* brasileira a tornar-se Independente.

*Em 1823, Caxias ainda era denominada “Vila”, haja vista que só em 1836 é que fora elevada à categoria de Cidade.

Naquele dia, as forças independentes, formadas por brasileiros das Províncias do Ceará e Piauí, adentraram de forma triunfante em Caxias. Do outro lado, tendo à frente o comandante Luís Manuel de Mesquita, as tropas portuguesas depuseram as armas, desceram do morro para o campo de São José, onde, em forma, entregaram-se aos vencedores e procedeu-se a prisão do major Fidié, que havia sido enviado para combater os revoltosos independentes. Com a batalha já perdida, o militar não esboçou qualquer resistência, sendo levado para cidade de Oeiras (PI). Ato contínuo, o quartel do Morro das Tabocas foi ocupado pelas forças do capitão João da Costa Alecrim (que viria dar nome ao morro).

Contudo, a adesão, oficialmente falando, só ocorreu ao dia 07 de agosto, quando, na Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, realizou-se, em missa solene, o ato de proclamação da Independência e aclamação de Dom Pedro I, Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil. Na solenidade, achavam-se reunidos: a Câmara (eleita no dia anterior), o Clero, a nobreza e o povo; convocados pela Junta da Delegação Expedicionária do Ceará e Piauí.

O Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC) detém a custódia do livro em que foi lavrada a Ata de Independência, que está digitalizada, à disposição dos estudiosos.

Portanto, na data de hoje, 01 de Agosto de 2023, comemoram-se 200 anos da Independência de Caxias do domínio Português.

"Importante destacar que Caxias NÃO aderiu à Independência. O termo 'aderir' remete à ideia de consentir por convicção, de querer juntar-se, amigavelmente, a algo ou alguém. Caxias lutou ferrenhamente, no sentido prático, para manter-se sob o jugo de Portugal, porém, perdeu a batalha e foi obrigada a entregar-se" (Fonte: IHGC)

Para finalizar, devemos sanar uma antiga dúvida. Muitos caxienses ainda confundem a data de 01 de Agosto como sendo o dia do aniversário de Caxias, que é comemorado, na verdade, em 05 de Julho. Para explicar o motivo da confusão, apresento este pequeno trecho em vídeo, de 1990, do historiador Abreu Sobrinho (in memoriam):


Fontes de pesquisa: Livro “Efemérides Caxienses”/Autor: Arthur Almada Lima; Livro “Por Ruas e Becos de Caxias”/Autor: Eziquio Barros Neto; Instagram do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC)

Imagens da publicação: Wikipédia; Acervo do Autor; TV Pioneira

A história da casa onde nasceu Gonçalves Dias, nas matas do Jatobá #GD200

Quase um ano após o grito de D. Pedro I às margens do Ipiranga, é que a Vila de Caxias* passaria, enfim, a integrar o Brasil independente. Às 10:30h, daquele 01 de Agosto de 1823, os caxienses puderam ver hasteado no Morro das Tabocas (atual Morro do Alecrim) o lábaro verde e amarelo do Império do Brasil. Caxias foi a penúltima cidade* brasileira a aderir à Independência.

*Em 1823, Caxias ainda era denominada “Vila”, haja vista que só em 1836 é que fora elevada à categoria de Cidade.

Naquele dia, as forças independentes, formadas por brasileiros das Províncias do Ceará e Piauí, adentraram de forma triunfante em Caxias. Do outro lado, tendo à frente o comandante Luís Manuel de Mesquita, as tropas portuguesas depuseram as armas, desceram do morro para o campo de São José, onde, em forma, entregaram-se aos vencedores e procedeu-se a prisão do major Fidié, que havia sido enviado para combater os revoltosos independentes. Com a batalha já perdida, o militar não esboçou qualquer resistência, sendo levado para cidade de Oeiras (PI). Ato contínuo, o quartel do Morro das Tabocas foi ocupado pelas forças do capitão João da Costa Alecrim (que viria dar nome ao morro).

Como muitos portugueses – contrários a independência da cidade – habitavam Caxias, os partidários da causa independente estabeleceram condições de rendição: “que os proprietários da vila de Caxias, e termo, que não tiverem prestado donativos à causa pátria, serão obrigados a uma contribuição para pagamento do exército, que a sua toleima, o seu criminoso aferro às cortes de Portugal, e os procedimentos hostis do pérfido Fidié chamaram a este lugar.”

E entre esses multados estavam os irmãos portugueses Gonçalves Dias, João Manuel em um conto de réis e Estêvão em cem mil réis, sendo eles dos poucos que preferiram fugir a pagar. Por temor de represálias, o comerciante João Manuel, residente à rua do Cisco, optou por fugir para as terras que possuía nas matas do Jatobá, no sítio Boavista, em área pertencente à Vila de Caxias, distante cerca de 70 a 80 quilômetros. Para o seu refúgio, levou também a sua companheira e criada, de 25 anos de idade, Vicência Ferreira, cuja a gravidez, já em seus últimos momentos, deve ter dificultado ainda mais a viagem de quatorze léguas.

E assim, na casa das matas do Jatobá, dez dias depois, no dia 10 de agosto de 1823, veio ao mundo o poeta maior da princesa, Antônio Gonçalves Dias; fruto da mistura do sangue lusitano e mulato. A fazenda de João Manuel não era “daquelas cujas extensas casarias, cobertas de telhas, com varandas nas fachadas principais”. Pelo contrário, segundo o biógrafo e amigo de Gonçalves Dias, Henriques Leal, o imóvel era composto por um “tosca choupana de folhas de palmeira, como soem ser fabricados os nossos tijupabas [palavra indígena para pequenas cabanas], na mais completa solidão, no sombrio da mata virgem.”

Com poucos dias de nascido, o pequeno logo achou-se reduzido à só companhia da mãe, pois, mal refeita do parto, logo João Manuel, não confiando na segurança daquele local, viajara escondido dos independentes para São Luis, e dali para Portugal, onde permaneceu por uns dois anos. Apenas em 1825, quando o patriarca retorna à Caxias, é que mãe e filho voltam a residir à Rua do Cisco (Atual Fause Simão; mais conhecida como Benedito Leite), no centro da cidade.

Os eventos acima narrados são o pouco do que se sabe sobre essa fase da vida do poeta nas matas do Jatobá. Com o falecimento de João Manuel em 1837, e de sua esposa (O português nunca casou-se com Vicência, tendo abandonado a companheira, por volta, de 1829), Adelaide Dias, em 1877, é provável que o sítio tenha sido abandonado pela família. Ao que se sabe, a fazenda só voltou a aparecer no radar dos caxienses no ano do centenário de Gonçalves Dias, em 1923.

Nesse ano, era então prefeito de Caxias o sr. Francisco Vilanova. Em comemoração ao centenário do poeta, a autoridade resolveu localizar o antigo sítio Boavista e a respectiva “Casa Grande”. Guiado por moradores das vizinhanças do local, conhecedores do terreno, encontrou Vilanova as ruínas: restos de parede, alguns esteios de aroeira ainda de pé, cacos de louças em torno das ruínas e perto de um grande poço ou cisterna, quase completamente aterrado. Tudo estava localizado no meio do mato alto e denso, o qual mandou abater, pondo a descoberto as ruínas, de onde trouxe como recordação de valor, um batente ainda bem conservado, da porta de um dos aposentos interiores.

O prefeito dizia ter a intenção de comprar para o município aquelas terras, que, além do grande valor histórico, eram fertilíssimas; próprias para o trabalho agrícola, bem como para a fundação de uma escola. Contudo, ao deixar a chefia do executivo, ninguém mais cogitou por em prática a ideia, e o projeto caíra no esquecimento.

Ao entrar em contato com a historiadora caxiense Joseneyde Vilanova, que residiu por anos na residência que pertenceu a Francisco, no centro de Caxias, esta me relatou desconhecer a existência do batente recuperado pelo prefeito; haja vista não ter encontrado na residência nenhuma peça solta guardada como relíquia. 

A descrição fornecida por Vilanova acabou gerando um grande debate. Acontece que, o prefeito relatou ter encontrado as ruínas do imóvel, havendo, inclusive, localizado um batente; o que entra em confronto com a descrição de Henriques Leal, já que, se a casa fosse realmente uma “tosca choupana de folhas de palmeira” como relatou; no ano de 1923, cem anos depois, seria muito improvável ainda existirem vestígios, quanto mais um batente, que supõe uma construção mais sólida.

Ao deparar-se com o dilema, uma das mais famosas biógrafas do poeta, Lúcia Miguel Pereira (1901 – 1959), em seu livro “A Vida de Gonçalves Dias”, dissertou: “Entretanto, como só a tradição oral, ora por vezes falha, indicou ao sr. Vilanova o lugar do nascimento do poeta, nada se pode concluir com segurança. Não é, de resto, impossível que, embora possuindo boa casa de moradia na Boavista, cousa que lhe permitiria certamente a sua situação de comerciante próspero, João Manuel, medroso, a tivesse evitado, indo esconder-se nalguma cabana mais retirada nas suas terras.”

Dúvidas à parte, o certo é que o que ainda existia do imóvel continuou se deteriorando ainda mais, com o passar dos anos. Mais de vinte anos depois, em 1945, em artigo intitulado “A Casa de Gonçalves Dias”, o ex-prefeito de Caxias, Gentil Homem da Silva Brasil, publicou um alerta para a urgente necessidade de se reconstruir a casa do Jatobá para ser utilizada como um memorial. À época do texto, já não existia praticamente nada do que um dia fora aquela casa; e, apesar de ainda residirem nas proximidades daquela área primos e sobrinhos de G. Dias, de diferentes graus, estes eram muito pobres, o que os impossibilitava, ainda que desejassem, de realizar qualquer tipo de intervenção. Sobre o local, a autoridade escreveu:

“Conversamos novamente sobre a vida de Gonçalves Dias, que ele conhece bem. Do mesmo modo conhece o local onde existira a mansão nata do poeta. Lá estão os sinais evidentes da fazenda. O escalvado branco e duro do terreiro; as palmeiras centenárias mais além, cercadas de suas múltiplas descendentes e onde a copa verdejante tecem os seus ninhos os sabiás também imortalizados pelo exímio cantor das selvas.” (Clique aqui para ler o texto completo). Infelizmente, como se sabe, o projeto não viu a luz do dia.

Em 1949, após ser eleito presidente do “Centro Cultural Gonçalves Dias” (entidade ludovicense formada, em 1945, por jovens intelectuais maranhenses, da qual faziam parte, dentre outros, os escritores Ferreira Gullar e Lago Burnett), o prof. Nascimento Morais Filho, fervoroso admirador do poeta, volta a citar as terras do Jatobá. Ao ser questionado sobre os planos para aquele ano, o professor respondeu: “já reivindicamos para o nosso patrimônio histórico o lugar onde nasceu Gonçalves Dias, lugar que se achava quase que praticamente perdido nas matas do Jatobá”. Não se sabe ao certo quais eram os projetos do referido Centro, bem como que fim levou a ideia, mas é muito provável que esta, também, não tenha saído do papel.

Só em 1964, ano do centenário de morte de Gonçalves Dias, é que as coisas começam a tomar novos rumos. Nesse ano, o prefeito de Caxias, Numa Pereira, juntamente ao prefeito do município de Aleias Altas, Belino Machado, resolveu prestar uma homenagem ao poeta em seu local de nascimento. A colaboração de Belino fazia-se necessária, tendo em vista que, até 11 de fevereiro de 1962, Aldeias Altas era um povoado da cidade de Caxias, tendo, a essa data, vindo a ganhar o título de município. E as matas do Jatobá localizavam-se justamente na área de zona rural compreendida por essa nova cidade.

Para confecção da homenagem, fora escolhido o renomado escultor caxiense Mundico Santos. A ideia era construir um marco a ser instalado, em 3 de novembro de 1964, nas matas do Jatobá, simbolizando o local de nascimento de Gonçalves Dias (àquele ano, já não mais existia nenhum resquício da fazenda, muito menos do imóvel). E assim, na manhã do dia marcado, o totem comemorativo fora apresentado à população caxiense em solenidade realizada na praça Gonçalves Dias. Dalí, a estrutura saiu em comitiva para as matas do Jatobá, onde foi inaugurada na presença de autoridades e populares.

Com a inauguração do marco, os caxienses puderam ter uma noção de onde situava-se o sítio Boavista, local de nascimento de seu ilustre patrício. E dessa maneira, sem alterações, o monumento permaneceu por mais de 30 anos. Até que, no final da década de 1990, a prefeitura de Caxias realizou a doção do antigo busto do poeta que localizava-se na praça, que leva seu nome, para a cidade de Aldeias Altas – haja vista a substituição que seria feita. O monumento fora instalado em uma estrutura de concreto erigida ao lado do marco de 1964 (para ladeá-lo, outro totem idêntico ao de 64 também fora edificado, na ocasião). Posteriormente, o busto fora realocado na Praça Gonçalves Dias, no centro de Aldeias.

Em 2013, quando comemorou-se 190 anos de nascimento de G. Dias, o Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC), através de seu presidente, Arthur Almada Lima Filho, em parceria com a Prefeitura de Aldeias Altas, fixou na estrutura uma nova placa comemorativa. Além disso, substituindo o antigo busto, instalou-se, a pedido do prof. Passinho, uma nova imagem, de dimensões maiores, produzida pelo artista Laylson Coimbra. E assim, seguindo a tradição, sempre que ocorre a comemoração de alguma efeméride relacionada ao poeta, alguma nova inscrição vem a ser instalada na estrutura.

Em 2020, o “Portal Destaque do Maranhão” realizou uma reportagem mostrando o trajeto que leva ao marco do Jatobá no antigo sítio da Boavista, atual Morro da Laranjeira. Na ocasião, foram evidenciadas as condições de abandono em que se encontrava o local. Condições, essas, que, felizmente, foram revertidas com a sua devida revitalização para o bicentenário do ilustre poeta. Assista, abaixo:

Importante notar que, ainda hoje, o acesso ao local não é dos mais fáceis, o que nos leva a pensar nas dificuldades que enfrentaram os pais de G. Dias, há 200 anos, para chegar nessa área. Abaixo, o local do marco, nas matas do Jatobá, em imagens feitas em 2023 pelo fotógrafo caxiense David Sousa:

Atualmente, apesar de não mais existir o imóvel, e por conta do marco instalado, o local de nascimento do poeta vem recebendo excursões de diversos colégios da região, bem como a visita de turistas, universitários e pesquisadores que desejam conhecer um pouco mais sobre as origens do filho ilustre de Caxias.


Fontes de pesquisa: Livro “A Vida de Gonçalves Dias”/Autora: Lúcia Miguel Pereira; Livro “Gonçalves Dias – Coelho Neto”/Autor: Antonio Carlos Medeiros; Livro “O Fim e o Nada”/Autor: João Machado; Quadrinho “O Filho do Norte – Gonçalves Dias, O Poeta do Brasil”/Autor: André Toral; Livro “Efemérides Caxienses”/Autor: Arthur Almada Lima Filho; Jornais “Diário de São Luiz” “O Paiz”; Artigo “Campanha Pró-Imprensa Do Centro Cultural “Gonçalves Dias” Caderno Literário Nº 2: Um Olhar Crítico Para Os Primórdios Do Modernismo No Maranhão”/Autora: Natércia Moraes Garrido; Depoimentos de Joseneyde Vilanova e David Sousa; Youtube

Sálvio Negreiros, o caxiense que foi um dos maiores ilustradores do Brasil

Salvio Correia Lima Negreiros nasceu em Caxias, em 31/08/1924, filho de Alice Correia Lima e Joaquim Negreiros. Tinha mais quatro irmãos: Áurea, Muriel, Júlio e Alberto. O seu pai era um conhecido comerciante de Caxias, sendo proprietário da popular “Casa J. Negreiros” , que localizava-se à Rua Aarão Reis, no centro da cidade.

Desde a infância, o desenho sempre fora a grande paixão do pequeno Sálvio. Começou rabiscando as calçadas com pedaços de carvão, com os diversos desenhos que lhe vinham à cabeça: cavalos, casas, bonecos, aviões etc. As pessoas que passavam por ele diziam: “Coitado! Esse, quando crescer não dará para nada…”. Quando as calçadas já não eram suficientes, acabou enchendo os cadernos da escola com mais e mais desenhos; firmando, pouco a pouco, o seu talento.

Em 1934, surge no Brasil, de propriedade de Adolfo Aizen, a revista Suplemento Juvenil, que foi a primeira publicação brasileira dedicada a quadrinhos de heróis e com personagens famosos das tiras de jornal norte-americanas, como Mandrake – O Mágico, Flash Gordon, Tarzan, além dos desenhos Disney, como Pato Donald e vários outros que fizeram parte da “Era de Ouro dos Quadrinhos”

Em Caxias, um exemplar da Suplemento Juvenil chega às mãos de Sálvio, e logo passa a ser o centro das atenções do jovem. Certo dia, ao folhear a revista, Sálvio deparou-se com um anúncio de um concurso de desenho. Tratava-se de fazer uma história em quadrinhos que tivesse como motivo a “Retirada da Laguna”, o feito histórico do General Camisão. O prêmio: 500.000, 00 réis. Entusiasmado, começou a esboçar o desenho, a idealizar os quadrinhos e a dar forma às figuras. Em pouco tempo estava pronto o trabalho; enviado, logo em seguida, para à redação do Suplemento Juvenil, no Rio de Janeiro.

Algum tempo depois, qual não fora a surpresa? Sálvio – então, com 16 anos de idade – ficara em primeiro lugar no concurso, entre os 25 inscritos, sendo a sua história publicada na edição do Suplemento Juvenil de 12 de junho de 1941. Em Caxias, ao receber a edição da revista, Sálvio não conseguia acreditar no que estava lendo.

Para achar mais incentivo artístico, Sálvio transferiu-se para São Luis. E lá, em 1942, tomou parte no Salão de Pintura com um quadro a óleo, tendo obtido o 2º lugar, ganhando uma medalha de prata.  A sua maior façanha, porém, teve início em 1943, quando Sálvio tinha apenas 19 anos. O episódio ocorreu quando de sua busca ao prêmio da Suplemento Juvenil no Rio de Janeiro, capital da República, à época. Acontece que, a sua viagem foi das mais acidentadas e cheia de episódios pitorescos. O itinerário foi o seguinte: saindo de São luis passou por Teresina, Fortaleza, Crato, Petrolina, Juazeiro, Pirapora, Belo Horizonte e daí para o Rio. Toda essa caminhada foi feita por trem, cavalo, jangadas, carro de boi, caminhão, “gaiola”; enfim, todos os meios de transportes possíveis. E o mais impressionante: tudo isso em 75 dias!

Mas todo esse esforço fora recompensado. Ao constatarem o talento e o esforço do jovem, os dirigentes do Suplemento Juvenil prometeram-lhe, além da premiação em dinheiro, um lugar no Departamento Artístico, tal como haviam feito com as outras pratas da casa, como Fernando Dias da Silva, Celso Barroso e Antônio Eusébio; todos, como Sálvio, vencedores de concursos idênticos.

E assim fora feito. Sálvio, após mudar-se para São Paulo (onde a editora tinha o seu estúdio), desenhou histórias de aventuras para a revista, durante vários anos. Além do trabalho com quadrinhos, Sálvio, através do “Studio Artenova” – da editora carioca de mesmo nome fundada em 1962 -, ficou muito conhecido por suas ilustrações para capas de obras literárias, bem como para o mercado publicitário (Nesse estúdio, Sálvio também era responsável pela direção de arte).

Amigo de Ziraldo, fez parte da primeira geração de quadrinistas brasileiros. “Convém informar aos leitores que eu conheci Fernando, Sálvio e Celso, junto com Monteiro Filho – que são os quatro maiores ilustradores que já apareceram depois na publicidade brasileira”, disse, em 1972, o criador do Menino Maluquinho.

Em 1971, Sálvio volta a residir, junto à sua família, no Rio de Janeiro. Cidade na qual veio a falecer, em 1991, vitimado por um câncer de próstata. O caxiense deixou esposa, filhos e três netos. Um de seus filhos, Carlos Negreiros – que, gentilmente, contribuiu para esta postagem -, seguiu passos semelhantes aos do pai, atuando profissionalmente com Diretor de Arte.


Fontes: Genealogia da Família Correia Lima; Suplemento Juvenil (Diversos Números); Blog Tiras Memory; Wikipédia; Informações cedidas por Carlos Negreiros

Quando a Igreja de São Benedito teve o seu revestimento alterado

Em agosto de 1989, a centenária igreja caxiense de São Benedito foi alvo de uma grande polêmica. Acontece que, por ordens do pároco responsável, Pe. Francisco Damasceno, o templo começou a ter a sua fachada revestida em “pedras piracurucas” (revestimento muito popular, à época). O objetivo era cobrir toda a sua área externa, sob a alegação de que, daquela forma, estaria fazendo um trabalho definitivo para a limpeza e preservação do templo.

Como é de se imaginar, após o inícios das obras, opiniões contrárias à medida logo começaram a surgir. Um articulista do jornal caxiense “O Pioneiro” foi bastante crítico à referida alteração. Sob a manchete “Padre destrói patrimônio Cultural, Histórico e Religioso”, o jornalista teceu duras críticas ao padre. Alegando, dentre outras acusações, que o ato era inadmissível por atentar contra o patrimônio histórico de Caxias. Ainda, segundo ele, as obras teriam se iniciado à revelia dos paroquianos, que não haviam consentido com a mudança.

O jornalista também afirmava ter comunicado às autoridades competentes, como a Administração Municipal e o Departamento do Patrimônio Histórico e Paisagístico da Maranhão, sobre “a violência cometida contra aquela igreja”.

Algum tempo depois, por a igreja de São Benedito estar inclusa na área tombada como patrimônio histórico, a obra foi embargada – apesar destas estarem praticamente finalizadas. Ainda assim, o revestimento permaneceu por pouco mais de cinco anos. Até que, por volta de 1994, as pedras foram retiradas por completo, e a fachada do templo voltou ao seu estado anterior, como permanece até os dias de hoje.


Fontes de pesquisa: Jornal “O Pioneiro”; Livro “Cartografias Invisíveis”/Diversos Autores

O antigo desejo de um memorial dedicado à Gonçalves Dias #GD200


Em 2023 – mais precisamente, no dia 10 de agosto -, comemora-se 200 anos do nascimento de Antônio Gonçalves Dias. Em virtude de tamanha efeméride, durante este ano, o Arquivo Caxias fará postagens dedicadas a este ilustre filho de nossa terra. Para iniciar essa série, trago a transcrição desta matéria publicada no periódico “Diário de São Luiz do Maranhão”, em 28/04/1945, de autoria de Gentil Silva.

Gentil Homem da Silva Brasil foi prefeito de Caxias por um curto período, entre agosto e setembro de 1941. Seu governo foi tipicamente de transição, enquanto as coisas da política municipal tentavam se acomodar. Em seu texto, que veremos abaixo, o político já chamava atenção para o desprestígio que Caxias conferia ao poeta. Clamando, na oportunidade, após ouvir conselhos de um cidadão caxiense, que fosse criado um museu em sua memória, bem como que fosse reconstruída a fazenda que o poeta nasceu, nas matas do Jatobá.

Infelizmente, como sabemos, nenhum dos projetos foi concretizado até hoje, quase 80 depois! Vale lembrar que, à época da produção do referido texto, a residência a qual Gonçalves Dias cresceu, no centro da cidade, ainda se encontrava de pé; hoje, nem isso…

Segue a integra do texto:

A Casa de Gonçalves Dias

Prefeito municipal de emergência, em Caxias e coincidindo o meu curto período administrativo com a passagem da data do nascimento do maior lírico brasileiro e indianista americano, sentia-me no dever de encabeçar festejos comemorativos do dia 10 de agosto, o que de fato fiz, alma transbordante de satisfação, mau grado as próprias deficiências para ocupar-me do genial e iluminado cantor dos “Timbiras”.

Dispersava-se, a mocidade que acorrera, mais uma vez, às consagrações públicas anualmente tributadas à memória do imortal enamorado da natureza brasílica.

A comissão de festejos, agrupada ainda no local das comemorações, entretém-se em comentários ao êxito da iniciativa, desta como doutras vezes vitoriosa.

Nessa altura, aproxima-se dos presentes respeitável ancião, cabeça alva e descoberta. Era o velho fazendeiro Joaquim Rosa, um dos que acabavam de ouvir discurso e declamações e, algo emocionado, bem se o percebia, pelo numeroso coro de vozes infantis no entoar de vozes infantis da inigualável “Canção do Exílio”, dirige-se ao prefeito:

– Festa bonita, seu coronel…

“Coronel”, sim, porque para o habitante rural do Norte, as autoridades superiores do município, quando não adoutoradas em qualquer coisa ou ramo, tem que fruir ex-ofício, ou compulsoriamente, das vantagens honoríficas que eram concedidas aos antigos oficiais da extinta Guarda Nacional, de saudosa recordação, variando o “posto” segundo a ordem hierárquica e as aparências, no conceito roceiro.

– Eu sabia – continuou Joaquim Rosa – que esta festa ia realizar-se e vim à cidade para assisti-la.

Todos enalteceram a demonstração cívica de Joaquim Rosa que, animado, prosseguiu:

– Se todos os caxienses tivessem a noção exata desta legítima glória, – e apontou a modesta herma do autor do “Y Juca Pirama”, – a sua glorificação não ficaria somente nas homenagens…

E, Joaquim Rosa, reacender com vivacidade o cachimbo sarrento e tirar-se grossa baforada, continuou:

– É isso, e digo com firmeza e convicção. Conheço a obra maior dos poetas brasileiros. Os seus livros eu os adquiri na livraria Laemmert, do Rio de Janeiro, em 1896, por intermédio do meu compadre Trindade Vidigal.

Disse-nos ainda Joaquim Rosa que sabia de cor, além da “Canção do Exílio”, o “Canto do Piaga”, “Tabyra”, “Y Juca Pirama”, “Lenda de São Gonçalo” e outras poesias do grande mestiço brasileiro e as recitava aos netinhos nos serões da família.

– O senhor sabe onde moro?

Como a pergunta fosse para mim, respondi que não poderia atinar. Os meus companheiros entreolharam-se significativamente.

– No 2º Distrito, coronel, pertinho do Jatobá.

Matas do Jatobá, latifundiárias da antiga fazenda do mesmo nome, berço do grande vate americanista.

***

Ao anoitecer daquela mesma data, recebo a agradável visita de Joaquim Rosa, cuja identidade patriarcal, laborioso e honesta me fora revelada pelos meus companheiros de comissão.

Conversamos novamente sobre a vida de Gonçalves Dias, que ele conhece bem. Do mesmo modo conhece o local onde existira a mansão nata do poeta. Lá estão os sinais evidentes da fazenda. O escalvado branco e duro do terreiro; as palmeiras centenárias mais além, cercadas de suas múltiplas descendentes e onde a copa verdejante tecem os seus ninhos os sabiás também imortalizados pelo exímio cantor das selvas.

E dos parentes de Gonçalves Dias, sabe alguma coisa?

– Sim, de alguns tios, primos e sobrinhos, em terceiro grau, talvez; gente muito simples e pobre.

A seguir, Joaquim Rosa volta a aludir aos festejos da tarde. Repetiu, insistindo com certa veemência, que os caxienses poderiam concretizar essas homenagens anuais numa obra que recordasse mais ao vivo e permanentemente, a existência privilegiada do grande Aedo.

A uma pergunta sobre a glorificação imaginada pelo interlocutor, este responde com naturalidade:

– Não erguem-se templos aos taumaturgos?

Compreendi o que o velho sertanejo tentava formular uma analogia de cultos. E, para logo veio-me a lembrança do pavilhão envidraçado que o civismo bandeirante fez construir sobre o rancho de tábuas e zinco, onde Euclides da Cunha escrevera a epopeia de “Os Sertões”. Recordei-me também num instante, a “Casa de Ruy Barbosa”, onde os visitantes se emocionam ante a visão eterna do grande brasileiro.

Joaquim Rosa tem razão.

Porque não adquirir-se a propriedade do Jatobá, reconstituindo-se ali a casa de nascimento do poeta, como lembrança afetuosa e terno do autor das “Sextilhas de Frei Antão”?

A sugestão parece-me das mais aproveitáveis em virtude não somente do desenvolvimento espiritual que nos vai conduzindo a melhor e mais elevada compreensão estética, mas, também, encarado o assunto, se o quiserem, pelo seu lado realístico e utilitário.

É velha e justa a aspiração dos caxienses, o aproveitamento científico e industrial das águas termais de Veneza. Realizado que seja, esse importante empreendimento, poderiam concomitantemente concluídos os trabalhos de reconstituição do Jatobá a qual, de certo converter-se-ia num ponto obrigatório de turismo, atraindo ao velho município sertanejo, berço de tantas outras glórias nacionais, as elites da intelectualidade e da abastança brasileiras.

Então, poderá ser ali apreciado o ambiente simples e sugestivo da antiga mansão rural onde Gonçalves Dias abriu os olhos pela primeira vez, deu os primeiros passos e impregnou a alma juvenil da radiosa claridade de infinitos horizontes, do sonoro rumor das suas florestas, da música sutil e encantada dos passarinhos e do verdor mágico das várzeas acolhedoras.

Foi ali, entre tímido e contente das palmeiras, ainda pequeno, recebeu as impressões sadias, fortes e indeléveis das danças indígenas, ao ritmo das tabas e maracás.

Foi ainda lá, nas noites enluaradas que ele ouviu a história misteriosa dos “Piágas”, das lutas de tribos guerreiras, dos amores e conquista que serviram de motivo à sua futura e monumental obra de brasilidade que o mundo tanto enaltece e admira.

Poder-se-á organizar o Museu Gonçalviano, em ambiente apropriado, arrecadados os seus manuscritos e todas as demais relíquias que possam recordar a pessoa e a obra imortal americanista.

Trazendo à letra de forma o pensamento de Joaquim Rosa, estou que nenhum maranhense deixará de o aplaudir com calor.

Gentil Silva

Os antigos coretos da “praça do Panteon”

Primeiro, a banda passou
Tocando Coisas de Amor
Depois cantaram A Praça
Em rimas cheias de graça

Mas ninguém se lembrou
Do Coreto da Pracinha
Onde sempre tocava
A garbosa bandinha

Nada mais adequado do que iniciar a postagem de hoje com algumas estrofes da música “O Coreto da Pracinha”, de Luiz Gonzaga. Canção que retrata tão bem os tempos românticos que foram os dos coretos das cidades do interior. Os mais jovens podem estar se perguntando: “Mas o que são esses coretos?”. Sim, nobre leitor, algumas gerações desconhecem o termo, acredite!

Correndo o risco de o texto ficar “professoral” demais, responderei o questionamento acima com esta breve explicação: “O Coreto é uma construção que ainda observamos nas cidades interioranas que conseguiram preservar esse elemento urbanístico que teve grande importância até o fim da década de 1960. Ele guarda o romantismo do tempo em que as praças eram o ponto central dos eventos da sociedade. Sua arquitetura básica é composta de planta circular, elevado em alvenaria e com cobertura. […] Esse espaço democrático se espalhou por toda a Europa e, em vários países, tinha significados distintos: na Itália ‘coretto’ significava local de vendas de tabaco, bebidas e jornais; na Inglaterra ‘bandstand’; na França ‘kiosque a musique’; e na Espanha ‘quiosco de musica’ significava local de apresentação de bandas musicais.” (Fonte: Site “Cidade e Cultura”)

Certo, mas onde Caxias entra nessa história? É na década de 1960 – ao menos, que se tem notícia -, seguindo os moldes de outras cidades, que Caxias recebe os seus primeiros e mais populares coretos. Logo que tomou posse, em 1966, o prefeito Aluízio Lobo tinha como uma de suas principais metas realizar o paisagismo da praça Dias Carneiro (popular “Panteon”), que, até então, se limitava a um grande descampado de grama e piçarra, repleto de árvores.

O projeto da praça ficara a cargo do artista caxiense Mundico Santos, e dentro desse projeto fora idealizada a construção de dois coretos. E assim se dera. Estando, estes, posicionados no lado em direção da Av. Desembargador Morato, as edificações eram feitas em cobogós, contando com uma pequena rampa de acesso. Os coretos de Caxias diferenciavam-se dos de outras cidades, pois não possuíam uma cobertura em suas estruturas.

Não obstante os coretos terem sidos pensados (e muitas vezes foram utilizados, de fato, para esse propósito) para servirem como palanques à discursos e outras solenidades oficiais do governo municipal; em dias comuns, a maioria dos caxienses utilizava-os para bater um papo mais privativo ou para rápidas paqueras. Sentados ou encostados em suas muretas, muita conversa foi jogada fora naqueles locais.

Quando dos desfiles de 7 de Setembro, alguns populares, em especial crianças, utilizavam as baixas muretas das edificações como arquibancada. Além disso, escolhia-se os coretos pela sua praticidade, já que os altos palanques demoravam a serem montados. Como mostra a fotografia abaixo, o próprio Governador Sarney, que fazia visitas recorrentes à Caxias, chegou a utilizar um dos coretos como tribuna.

Com o passar dos anos, as pessoas foram perdendo o costume de ir às praças e, por conseguinte, frequentar os coretos – muito por conta do aumento da violência urbana -, bem como a sua utilização para fins oficiais da administração municipal fora diminuindo. Contudo, as duas estruturas permaneceram intactas até a década de 90, quando, no governo de Paulo Marinho (1993/1996), a praça passou por uma nova remodelação, tendo sido demolidos os dois coretos, uma pequena arquibancada de três níveis e um antigo monumento central.

E assim, sem coretos, Caxias permaneceu por mais de vinte anos, até que, com a reforma da praça Vespasiano Ramos, a cidade recebeu uma nova estrutura. Longe da beleza arquitetônica dos antigos exemplares, o novo coreto, de características mais modestas, vem cumprindo, através da semanal “Feirinha da Gente”, a sua finalidade; resgatando um pouco – apesar de sermos sabedores que os tempos não são mais os mesmos -, o que fora a bucólica Caxias de outrora.


Fontes de pesquisa: Site “Cidade e Cultura”/Livro “Por Ruas e Becos de Caxias”/Autor: Eziquio Barros Neto

Imagens da publicação: créditos nas imagens

A “Praça da Bíblia”, do bairro Tresidela

Hoje, 30 de setembro, Dia da Bíblia, relembramos a praça caxiense que levava o nome do Livro Sagrado. Localizada na Av. Nossa Senhora de Nazaré, no bairro Tresidela (logo após a Ponte), a pequena praça fora inaugurada em 1968, durante a grande expansão urbanística realizada na primeira administração do prefeito Aluízio Lobo. De paisagismo simples, e com alguns bancos de concreto dispostos em sua extensão, o local recebeu o nome de “Praça da Bíblia”.

O nome decorre da construção de um monumento (muito provavelmente, idealizado e confeccionado por Mundico Santos) representando uma Bíblia aberta contendo citações bíblicas e as duas tábuas de Moisés com os Dez Mandamentos, além de um crucifixo na parte superior.

As escolhas das passagens bíblicas que foram transcritas em cada uma das duas páginas do monumento ficaram a cargo do então bispo de Caxias, Dom Luiz Gonzaga Marelim (representando a Igreja Católica), e do pastor da Igreja Presbiteriana, Silas Marques Serra (representando a Igreja Evangélica). No lado esquerdo estava escrito: “Bem-aventurado o homem que se compraz na lei do Senhor e nela medita de dia e de noite (Salmos 1:2)”.  E no lado direto: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo (Atos 16:31)”.

Na década de 1970, já no segundo mandato de Aluízio Lobo, a praça fora renomeada para “Praça Cônego Aderson Guimarães“, em homenagem ao pároco da Tresidela, falecido, precocemente, em 1970. Nessa alteração, o monumento sofreu algumas mudanças, sendo substituídas as escrituras (foram alteradas para: “Por isso me proclamarão bem-aventurada todas as gerações; Lc 1,48” ), bem como foram removidas as “tábuas” e pastilhas de revestimento.

Atualmente, apesar das ações do tempo e da falta de manutenção, o monumento ainda encontra-se instalado em seu local de origem, em precário estado de conservação.

P.S.: Em novembro de 2020, fora inaugurada uma nova Praça da Bíblia, em frete ao cemitério de Nossa Senhora dos Remédios. No local, fora instalada uma nova estrutura, de proporções maiores, exibindo uma Bíblia aberta.


Imagens: Ac. IHGC; Ac. Aluízio Lobo; Ac. do autor

Fontes de pesquisa: Depoimento de Francisco Guimarães; Livro: Por Ruas e Becos de Caxias/Autor: Eziquio Barros Neto/Ano: 2020

“Dona Sinhá” e “Seu Dá”, as homenagens de João do Vale e Luiz Gonzaga à Caxias

Quando Luiz Gonzaga pegou “um trem em Teresina pra São Luis do Maranhão”, as coisas não iam muito bem em sua carreira. Considerado algo démodé, nas décadas de 50 e 60, com a chegada da bossa-nova e, posteriormente, da Jovem Guarda, o baião do velho Gonzagão saíra dos holofotes. Foi um duro golpe ao experiente músico.

Contudo, diferentemente das demais regiões do Brasil, o Nordeste nunca abandonara o seu ilustre filho. Sabedor desse prestígio, Gonzaga, nesse período, excursionou, quase que exclusivamente, por cidades nordestinas. Fazendo parte desse itinerário, Caxias fora uma delas. Por contratação realizada pelo próspero empresário Alderico Jefferson da Silva, o músico veio à cidade, na década de 1950, em ocasião do aniversário de um dos negócios do contratante, o “Armazéns Caxias”. O show teve lugar em frente ao estabelecimento, nos arredores da praça Gonçalves Dias. Para hospedar Gonzaga, fora providenciado um quarto nas dependências do “Palace Hotel”, à Rua Afonso Pena.

A proprietária e administradora do hotel era a popular “dona Sinhá Serrath”, apelido de Rosa Amélia de Jesus Serrath. Nascida a 06 de setembro de 1889, poucas informações sobre a sua biografia chegaram aos nossos tempos. Mãe da célebre professora Dacy, d. Sinhá, sempre pitando cachimbo e adornada de joias, comandava aquele hotel desde a primeira metade do século XX. E fora ali, nos cômodos do Palace (amplo casarão colonial de numerosas janelas), que Luiz Gonzaga acomodou sua sanfona e “se arranchou” antes de sua apresentação em Caxias. No local, o músico ainda encontrou tempo para prosear e desfrutar de algumas doses de conhaque. Tudo por conta de Alderico.

Outro amigo e, neste caso, conterrâneo – ambos nascidos em Pedreiras (MA) – de Alderico era o também músico João do Vale. O artista, que já tinha algumas composições suas tocando pelo Brasil (nesse período, João ainda não havia assumido os vocais), fazia visitas recorrentes ao amigo comendador, em Caxias, que o ajudava financeiramente. Assim como Gonzaga, João, quando de suas vindas a Caxias, também passava pelo Palace. E assim, em 1962, narrando um percurso que fazia frequentemente, João do Vale escreveu a canção “De Teresina a São Luis”, onde, além de homenagear o amigo e “mecenas” Alderico, citava d. Sinhá Serrath, conhecida sua de longa data. Para entoar a canção, o escolhido não poderia ser outro: Luiz Gonzaga. Lançada pela RCA, a música é a quinta faixa do LP “Ô véio macho”.

Oficialmente, a canção é composição de João do Vale e Helena Gonzaga, então esposa de Luiz, que também assinou outras oito músicas. Contudo, segundo os entendedores "gonzaguianos", Helena não era compositora. "Era o próprio Luiz Gonzaga o autor das músicas, pois naquela época um artista não podia fazer parceria com outro sendo de gravadoras diferentes por questões de direitos autorais. Daí Helena entrou na jogada e foi nomeada pelo marido como 'Madame Baião'" (Fonte: Blog "Viva o Reio do Baião").Além disso, é muito provável que Luiz Gonzaga não tenha tido envolvimento direto na letra de "De Teresina a São Luis", tendo ficado com a parte de musicar e, posteriormente, gravar o xote. Contudo, esse ponto ainda é muito discutido. 

O xote que narra, como o próprio nome sugere, uma viagem de trem entre as duas capitais, faz menção a cinco cidades maranhenses: Caxias, Codó, Coroatá, Pedreiras e São Luis. A estrofe caxiense é a seguinte:

“Bom dia Caxias
Terra morena de Gonçalves Dias
Dona Sinhá avisa pra seu Dá
Que eu tô muito avexado
Dessa vez não vou ficar”

“Seu Dá” era Alderico. Como uma forma de autopromoção, reza a lenda de que a alcunha teria sido disseminada pelo próprio empresário que, ao comercializar os seus produtos, nada vendia, mas dava, de tão baratos que eram. À boca pequena, os seus desafetos chamavam-no de “Seu Toma”.

Ao contrário de “Seu Dá”, que todos sabiam se tratar de Alderico Silva, a outra personagem citada já fora motivo de confusões. Ocorre que, por muito tempo, acreditou-se que a “Dona Sinhá” mencionada na música seria a esposa de Alderico, Dinir Costa e Silva. Um erro até compreensível. Contudo, como vimos, a “Sinhá”, aqui, era outra.

Quando Luiz Gonzaga esteve novamente em Caxias, em 29 de maio de 1966, trazido pelo então prefeito Aluízio Lobo, o músico fez questão de deixar uma dedicatória ao amigo em um livro, de autoria de Sinval Sá, que narra sua história de vida. Na obra intitulada “O Sanfoneiro no Riacho da Brigida”, o músico escreveu: “Ao amigo Alderico Silva, com os cumprimentos de seu cantor, Luiz Gonzaga.” Nesse mesmo show, realizado na praça Vespasiano Ramos, os caxienses puderam presenciar um “Velho Lua” em plena forma, terminando o espetáculo com um recado aos que pensavam que o seu tempo já tinha passado. Fazendo menção à bossa-nova, a plenos pulmões o músico bradou: “A minha bossa eu também já fiz!”.


João do Vale, por sua vez, não parou com as homenagens ao conterrâneo. Até pela proximidade entre as cidades, suas visitas à Caxias eram bastante recorrentes, como destaca esta nota, abaixo:

Ainda na década de 1960, João compôs a música “Vou pra Caxias”. Desta vez, a letra era toda voltada à cidade. Citando as maravilhas naturais e os santos padroeiros, João intercalou o famoso refrão: “Não adianta/Aqui não fico/Vou pra Caxias, onde está seu Alderico. Além disso, a canção citava os dois filhos varões do empresário: Getúlio e Aldenir. Como intérprete, fora escolhido o paraense Ary Lobo.

Por nunca ter sido um bom administrador de suas finanças, João sempre viveu de forma bastante humilde, o que nunca lhe fora um problema. Certa vez, já com a saúde bastante debilitada por um AVC, o compositor foi questionado se havia sofrido muito em sua vida, o que, de pronto, respondeu: “se eu sofri eu não sei, porque eu gostava”.

Na década de 90, pouco antes de seu falecimento, João ainda vinha à Caxias visitar o velho amigo, Alderico, em seu palacete e, de quebra, receber aquele agrado monetário sempre muito bem-vindo.

E como tudo nessa vida passa, os protagonistas dessa história também já se foram. Contudo, como toda obra artística de qualidade, que desconhece a efemeridade, as músicas de João e Gonzaga eternizaram-se no cancioneiro popular. Provando mais uma vez que tudo que é bom sobrevive aos testes do tempo.


Fontes de pesquisa: Jornal do Maranhão; jornal “Folha de Caxias”; Blog “Viva o Rei do Baião”; Wikipédia; Texto “Momento Poética: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião/Autor: Edmílson Sanches; Depoimento de Mário Gomes