O Primeiro Mirante de Caxias

Atualmente, uma das grandes atrações turísticas de Caxias é, sem dúvidas, o seu mirante. Inaugurado em 2018, o “Mirante da Balaiada” localiza-se em uma área histórica: no alto do Morro do Alecrim. Mas o que poucos sabem é que este não fora o primeiro local do gênero a ser instalado na cidade. E é esta a história que narrarei na postagem de hoje; para tanto, precisaremos retornar alguns anos no tempo – 200 anos, para ser mais preciso.

Pronto, agora estamos no ano de 1823. Há quase um ano Brasil tornara-se um país independente. Caxias, no entanto, por sua ampla população portuguesa, relutava em aderir à independência brasileira. Defendendo os seus aliados lusitanos, estava o Exército Português comandado pelo militar João José da Cunha Fidié. Do outro lado, o Exército Brasileiro sob o comando de José Pereira Filgueiras, vulgo “Napoleão das Matas”.

Sob as ordens de Filgueiras, a sua tropa (em sua maioria, voluntários munidos de chuços, lanças, facões e poucas armas de fogo) realizou o conhecido “Cerco de Caxias”, a qual almejava tomar a cidade das mãos lusitanas. E assim, instalaram-se estrategicamente na região do então Arraial do Atoleiro. Fidié, por outro lado, havia instalado o seu exército no Morro das Tabocas (atual Morro do Alecrim), área que lhe possibilitava ter uma visão privilegiada da cidade. Por não dispor de tempo suficiente, Fidié erigiu, às pressas, no local, o seu Quartel General (feito de pedra, sem reboco e com cobertura de palha).

O cerco teve início a 23 de maio de 1823. Algum tempo depois, em 17 de julho, Fidié fora informado por um caboclo – que conseguira romper o cerco e chegar a Caxias -, de que a Divisão Expedicionária, constituída de forças do Ceará e Piauí, já havia atravessado o Parnaíba. O major Fidié, antevendo o fortalecimento dos independentes com a eminente chegada de reforço, resolveu desalojá-los da região do Atoleiro, atacando-os de imediato. Seguro de seu poderio bélico (dispunha de mais de 20 canhões alocados no alto dos morros das Tabocas e da Pedreira), bem como da qualificação de sua tropa, o militar português não esperava contar com tanta resistência. Previsão que se mostrou bastante equivocada.

"O Morro da Pedreira era toda essa elevação que ia desde o atual bairro Castelo Branco (próximo ao Cemitério dos Remédios) até o bairro da Volta Redonda. Mas aquele cume em especifico era chamado de Taboca. Acredita-se que o nome é devido a grande quantidade dessa vegetação encontrada naquele ponto" (fonte: Blog de Eziquio Barros Neto)

O cerco perdurou até 31 de julho, quando as forças independentes adentraram de forma triunfante em Caxias. Do outro lado, as tropas portuguesas depuseram as armas, desceram do morro para o campo de São José, onde, em forma, entregaram-se aos vencedores. Em seguida, procedeu-se a prisão do major Fidié. Com a batalha já perdida, o militar não esboçou qualquer resistência, sendo levado para cidade de Oeiras (PI). Ato contínuo, o quartel do Morro das Tabocas foi ocupado pelas forças do capitão João da Costa Alecrim (que viria dar nome ao morro).

Já independente, alguns anos depois Caxias voltaria a ser palco de mais uma batalha. Agora, já estamos no ano de 1840 e a Princesa encontra-se sitiada pelos balaios. Para combatê-los, foi enviado o militar Luis Alves de Lima e Silva, o futuro “Duque de Caxias”. Como fortaleza, construiu no, já histórico, Morro um novo Quartel – diferentemente do de Fidié, este era bem maior, melhor estruturado e possuía construção mais sólida.

O Capitão Ricardo Leão Sabino (militar e professor caxiense) ficou encarregado da artilharia e do entrincheiramento das ruas. Objetivando arquitetar uma ofensiva de peso aos balaios, descobriu no lastro de embarcações, que estavam no Porto de Caxias, e no fundo de antigos armazéns, velhos canhões portugueses “abandonados e carcomidos”. Artilharia, esta, herdada da já mencionada Guerra de Independência de Caxias, ocorrida quase 20 anos antes.

E o resto, como se sabe, é história.


Com o fim da Balaiada, a edificação erigida pelo Duque de Caxias passou a funcionar por algum tempo como o Quartel da cidade. Não obstante a sua utilidade, como o passar dos anos quase nenhuma manutenção foi realizada em sua estrutura – apesar dos sucessivos apelos emitidos -, o que, por volta do início do século XX, o levou ao completo abandono. Com o Forte em ruínas, aquele caminho centenário também sofreu com o descuido, passando a ser utilizado por caçadores de passarinhos, corajosos casais de namorados ou para pontuais eventos civis, militares e religiosos.

Em 1914, quando de passagem por Caxias, o 1 Tenente Álvaro Peixoto de Azevedo, em texto publicado no jornal Pacotilha, lamentava não ter tido tempo de visitar o Morro do Alecrim, onde, fora informado, existiam “os vestígios das lutas que se deram no tempo da Balaiada”. Em seu artigo, dizia: “Os velhos canhões, que ali jazem em abandono, cobertos pela ferrugem, oriunda da ação destruidora dos tempos (…)”.

O relato de Peixoto de Azevedo é de grande importância, pois nos informa que, àquele ano, quase um século após a batalha de independência, já se tinha conhecimento da existência dos velhos canhões, os quais, apesar do descaso, resistiam a ação do tempo.

Quando das comemorações do centenário da Independência de Caxias, em 1923, uma grande festividade fora organizada pelo Poder Público. Assim sendo, no dia 1 de agosto, às 7h, realizou-se, no alto do Morro do Alecrim, uma missa pelo padre Arias Cruz. Na oportunidade, com toda solenidade, fora fixada no local a centenária cruz, que 1823 serviu para o ato de juramento de rendição. Além disso, segundo periódico da época, “uma peça de artilharia, utilizada pelos revoltosos nos combates de 1823, foi assentada agora no alto do morro, salvando de momento em momento, desde o amanhecer”. Acredita-se que essa peça seja o velho canhão mencionado anteriormente, que na ocasião foi transferido para as proximidades do local onde também fora instalada a cruz.

Em 1928, o padre coadjutor e escritor Joaquim de Jesus Dourado, após visitar o Morro do Alecrim, escreveu em uma de suas crônicas: “(…) A meus pés, junto ao cruzeiro, um velho canhão a relembrar lutas sangrentas, fogos e batalhas, num desespero cruel de causa morta. Mais adiante, por entre ramarias, num grito petrificante – pedaços de parede, pedras aos montões, colunas carcomidas – um assombro de tristezas! (…)”. Cinco anos depois, em 1933, Eurico Bogéa também dissertou sobre o local: “(…) Ali se vêm os escombros seculares do quartel e um velho canhão silencioso, ao relento, desafiando a pátina do tempo”

Dos dois relatos acima, bem como de uma foto feita pelo IPHAN nessa época (abaixo), é possível concluir que, até então, o canhão jazia ao chão, sem nenhum tipo de proteção ou estrutura que demonstrasse a sua importância histórica. Mas, como veremos, essa situação mudaria logo, logo.

Em 1939, era prefeito em Caxias o engenheiro Alcindo Cruz Guimarães, e, àquele ano, seriam comemorados os 50 anos da Proclamação da República. Sabedor da importante efeméride, a autoridade projetou um monumento comemorativo a ser instalado no alto do Morro do Alecrim, no início da via (na época, já melhorada), onde havia sido instalada a centenária cruz.

Recebendo o nome de “Monumento à Independência”, a obra fora inaugurada em 15 de novembro de 1939, consistindo em uma curta mureta de concreto, onde sobre sua estrutura assentou-se o velho canhão, um mastro com a bandeira do Brasil, a centenária cruz e um poste com luz elétrica. Era um mirante natural localizado 66m acima do nível do mar, onde era possível ter uma visão de 30° de Caxias.

Além disso, ostentava uma placa com os dizeres: “À memória de João da Costa Alecrim e seus denodados companheiros na luta pela Independência”. Nas laterais da estrutura de concreto que exibia o canhão, o nome do então Interventor Federal do Maranhão, Paulo Ramos, e do prefeito, Alcindo Cruz. Na parte frontal, um dístico em homenagem ao Duque de Caxias. Pensando nas missas campais que ali seriam celebradas, projetou-se um pequeno espaço, entre a cruz e o canhão, para que, quando necessário, ali fosse instalado um altar provisório.

Com essa nova construção, e com as melhorias feitas naquela via, a população começou a frequentar mais aquele local; fosse apenas para admirar a vista e bater papo, fosse para posar para registros fotográficos. Agora, os caxienses poderiam admirar a vista que Fidié e Caxias tiveram mais de cem anos antes.

Em 1952, através de lei municipal, a Prefeitura doou um terreno medindo 1.600 m, no ponto mais alto da cidade para a instalação do equipamento da Rádio Difusora Mearim S/A. Sendo inaugurado no ano seguinte, o imóvel transmissor da rádio localizava-se logo atrás do Monumento à Independência. 

Sem muitas alterações – apenas a cruz que mudou de lado, e a remoção do mastro da bandeira – o monumento permaneceu no mesmo local, durante anos. Na década de 1960, sofrendo pela falta de manutenção, a sua estrutura de concreto já estava bastante comprometida. Diferentemente do canhão, a cruz de madeira sofria bem mais pela falta de conservação, tendo a inscrição “INRI”, localizada em seu topo, sido extraviada.

Ao assumir, em 1966, a Prefeitura de Caxias, o tenente Aluízio Lobo tinha como meta de governo a abertura de uma moderna avenida no lugar da antiga trilha. Obra que a seu ver se fazia necessária, tendo em vista que, apesar do local já ter tido algumas melhorias, até aquele momento o trajeto de subida ao Morro do Alecrim não era dos mais fáceis. Sobre esta dificuldade do trajeto, destacou o prof. cearense J. Figueiredo Filho, em 1961, quando de sua visita a Caxias:

E assim, além da almejada avenida, fora construído um amplo conjunto habitacional; o que, infelizmente, gerou consequências irreversíveis para a preservação da história da cidade. Ocorre que, no decorrer das obras, parte das ruínas e do sítio histórico acabaram sendo destruídos. Além disso, o antigo monumento à independência também foi posto ao chão.

Contudo, apesar dos pesares, foi através da urbanização daquele local que as históricas ruínas começaram a receber atenção e o cuidado de preservação que mereciam. No local do antigo mirante, outra construção do tipo fora erguida. Desta vez, não se tinha mais um monumento, e sim um pequeno banco de concreto e algumas barras de segurança, onde os caxienses poderiam ter um pouco mais de comodidade ao admirar a bela vista da cidade (Anos depois, nesse local, funcionou o restaurante “Balaiada”).

Além do novo mirante (o segundo de Caxias), Aluízio Lobo, em 1969, inaugurou no Morro do Alecrim a praça Duque de Caxias. Com busto e estrutura frutos das mãos do artista Mundico Santos, na partes laterais foram colocados dois canhões – não se sabe o paradeiro da cruz centenária. Um deles era o que ficava no antigo monumento demolido.

Mas você, caro leitor, pode estar se perguntando: “E o segundo canhão, de onde veio?”

Apesar desta tese ainda não ter sido confirmada, supõe-se que, quando das obras realizadas por Aluízio Lobo – onde muita terra e mato fora retirado daquele local histórico -, tenha sido descoberto esse segundo canhão “de alma-lisa” (termo utilizado para designar os canos de arma de fogo, cuja parte interna é lisa; ou seja: sem estriamento de qualquer tipo), estando este em piores condições de conservação que o primeiro. O que justificaria a sua não utilização no monumento original de 1939.

De lá para cá, passaram-se longos anos, e só no início dos anos 2000 é que o local sofreria significativas alterações. É quando o Poder Público constrói o “Memorial da Balaiada”. Local onde foram reunidos diversos artefatos pertencentes ao episódio histórico que dá nome ao museu. Contudo, é apenas em 2018 que Caxias volta a ganhar um novo Mirante. Diferentemente dos anteriores, este conta com uma estrutura bem maior, mais moderna e organizada, o que possibilita aos visitantes um ângulo de visão mais privilegiado. O local também conta com vários quiosques, além de regularmente receber diversificadas atrações culturais.


FONTES DE PESQUISA:

Jornais – “O Cruzeiro”, “O Combate”, “Pacotilha”, “Diário de S. Luiz”; “Jornal de Caxias”; “Folha do Povo”; “Nossa Terra”

Publicação – “Ligeiras Notas sobre João da Costa Alecrim”/Revista do Instituto do Ceará; 1944/ Antônio Martins Filho

Sites -IBGE; Blog Eziquio Neto

Depoimento da historiadora Mercilene Barbosa (Diretora do Memorial da Balaiada)

Livros – “Efemérides Caxienses”/Arthur Almada Lima Filho; “A Balaiada”/Rodrigo Octávio; “Por Ruas e Becos de Caxias”/Eziquio Barros Neto; “Cartografias Invisíveis”/Vários Autores; “Balaiada – A Guerra do Maranhão”/Iramir Araujo, Ronilson Freire e Beto Nicácio

IMAGENS:

Wikipédia; AC. Memorial da Balaiada; Quadrinho “Balaiada – A Guerra do Maranhão”; AC. IPHAN; Jornal “O Cruzeiro”; AC. IBGE; AC. IHGC; Facebook; Jornal “Nossa Terra; AC. do Autor; caxiasmaranhaoma.blogspot.com

Serenata como Antigamente

No dia 28 de julho – como parte das comemorações do bicentenário de Gonçalves Dias, bem como da Independência de Caxias do domínio Português -, fora realizada a segunda edição do projeto “Serenata como Antigamente” (Idealizado e organizado por Ludce Machado), onde renomados músicos caxienses, juntos à população, percorrem algumas ruas do centro histórico de Caxias, cantando sucessos do passado. O trajeto tem início no Mirante da Balaiada e finaliza-se à praça Gonçalves Dias.

O conjunto é formado por: Marechal (vocal); Adelmo José (vocal); Mira (vocal); Chiquinho do Violão (vocal); Joãozinho do Pagode (vocal); Gilvan Lins (vocal e violão); Chico Beleza (vocal); Giovane (saxofone); Marcelo (trompete); Marinheiro (violão); Norberto (violão); Edmar (violão); Luizinho (violão); Nena (sanfona); Venâncio (técnico de som).

Na oportunidade, registrei algumas imagens do evento, as quais agora disponibilizo. Assista, abaixo: